terça-feira, 29 de março de 2011

FAMILIARIS CONSORTIO, 30 ANOS


De onde viemos, onde estamos, para onde vamos? (Palestra de Dom Antonio Augusto Dias Duarte no XI Encontro de Coordenadores de Pastoral Familiar da Arquidiocese do Rio de Janeiro)


Em novembro próximo, comemoraremos 30 anos que João Paulo II escreveu a Familiaris Consortio, esta carta magna da Pastoral Familiar. Como era o mundo há 30 anos atrás? O que fez com que João Paulo II convocasse um Sínodo com os bispos para tratar da família e, um ano depois, em 1981, lançar este documento? O que acontecia nos anos 60, 70 que tanto preocupava o papa e a Igreja? Os anos 60 e 70 a nível de sociedade e de Igreja foram anos muito atribulados, como quase que um “Tsunami” de grandes mudanças culturais. A mentalidade das pessoas começou a mudar de forma muito rápida. Algumas famílias ainda viviam os valores que devem constituir qualquer família sólida. Vivia-se a fidelidade conjugal, a transmissão de valores, havia cuidados no que se assistia, lia, com quem se relacionavam... Já outras famílias começaram a ficar inseguras. Umas até buscavam a Igreja para se fortalecer. Mas outras tantas começaram a incorporar os valores do mundo: “não há nada demais em se separar”, “hoje em dia não se namora mais em casa”, “não vamos reprimir tanto os nossos filhos”, “é proibido proibir”... deixaram que o mundo fizesse a pauta do casamento, isto é, adaptavam-se aos “novos costumes”.

E no Brasil, o que acontecia? Três fatos deixaram grande influencia na família do Brasil:

(1) 1977: é aprovada a lei do divórcio, feita pelo Congresso Nacional como uma grande vitória da modernidade, sobre velhos e arcaicos preceitos da Igreja... Isso abriu brecha muita grande para outros males.
(2) Uma associação americana, patrocinada pela ONU, BEMFAM (O Bem da Família, ironicamente), com a vênia dos governos da época, começou a agir promovendo mutirões para fazer a laqueadura de trompas indiscriminada em mulheres em idades fértil. Houve uma castração em massa de forma cirúrgica e
(3) posteriormente a disseminação dos anticoncepcionais.

Paralelamente, uma grande ferida abriu-se na Igreja Católica com a queda vertiginosa de vocações sacerdotais. Perdeu-se o referencial até na vocação sacerdotal, o que mais do comprova a íntima ligação entre as duas vocações. Quando alguém não é fiel à sua vocação, toda a sociedade é afetada. De famílias desestruturadas, como surgirão vocações? E se a família não vê a fidelidade vivida na vida eclesiástica, como terá um referencial seguro?

Tudo isso que acontecia não só no Brasil mas no mundo, fez com que o Papa tomasse a firme atitude de cuidar da família. Passados 30 anos da Familiaris Consortio, precisamos avaliar: como foi o trabalho da Pastoral Familiar neste período? Como nossas comunidades têm cuidado das famílias? Eu compreendo bem a influência destes fatos do passado? Sou capaz de olhar para o futuro pensando na experiência dos que vieram antes de mim: bispos, padres, religiosos e leigos que já deram a vida pelas famílias?

Não basta só olhar para o futuro: é preciso também olhar para o passado. Nós não inventamos a pólvora! Quando realizamos um trabalho pastoral se quisermos ser verdadeiramente ORIGINAIS, precisamos... voltar às origens. Que instituição, como a Igreja, tem mais de dois mil anos de experiência? Como tenho trabalhado nos sábios ensinamentos do Papa? O que melhorou na minha Paróquia, forania ou vicariato, nesses 30 anos? O cenário parece pessimista? Vejamos a palavra de esperança do Papa.

Familiaris Consortio (15): “A família humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força redentora da morte e ressurreição de Cristo. O matrimônio cristão, partícipe da eficácia salvífica deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa humana na grande família da Igreja. O mandato de crescer e de multiplicar-se, dirigido desde o princípio ao homem e à mulher, atinge desta maneira a sua plena verdade e a sua integral realização. A Igreja encontra assim na família, nascida do sacramento, o seu berço e o lugar onde pode atuar a própria inserção nas gerações humanas, e estas, reciprocamente, na Igreja.”

Deus morreu na cruz para nos fortalecer na comunhão com Ele e entre nós. Essa força libertadora não foi diminuída pela força das crises culturais. Somos convidados a nos inspirar nessa verdade, fazendo com que a família, fortalecida por esta energia enorme, seja capaz de transformar o mundo. A família é o grande gestor social. A Pastoral Familiar não existe para “organizar atividades”, para "fazer eventos", mas para mudar a sociedade em torno daquela paróquia, forania ou vicariato. Como temos nos comportado para que os planos de Deus para esta comunidade se projetem para frente e transformem o futuro? Do fato de cada um de nós corresponder ao chamado de Deus, dependem muitas coisas grandes, depende o futuro da família.

DEFENDER A FAMÍLIA
Conversando com um militar da Infantaria do Exército, ele explicava que os infantes são inspirados em 5 letras:
D - defende - nós, famílias católicas, também precisamos ser este exército em ordem de batalha. Precisamos defender as outras famílias mais inseguras e fragilizadas;
O - ocupa - precisamos ocupar os espaços em todo bairro, em toda a cidade, ramificando nossas ações na sociedade e não só dentro da Igreja (como o exército que tem atuar no mundo e não no quartel).
C - conquista - E mais do que só ocupar, é preciso conquistar, cativar, chamar para Deus.
E - expulsa - Expulsar os anti-valores de dentro de casa que estão minando os valores familiares.
O – organiza - E, finalmente, organizar a evangelização da família.

Levando a experiência do mundo de ontem, prepararemos o mundo de amanhã, com muito mais empenho do que preparamos a Copa ou a Olimpíada.

COMPORTAMENTO FAMILIAR – MUITO FAMÍLIA (defender)

O nosso comportamento familiar tem que se muito familiar como diz a Familiaris Consortio 17. Não serve só para ficar na gaveta!! Precisa ser estudado e posto em prática. Não dá pra fazer Pastoral Familiar do “meu jeito”.

Familiaris Consortio (17): “No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade», o que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As tarefas, que a família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te aquilo que és»! Voltar ao «princípio» do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família, se se quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser mas também do seu agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é constituída qual «íntima comunidade de vida e de amor», a família tem a missão de se tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude no Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as próprias raízes da realidade, deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em última análise, definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa.”

Ser “muito família” é trabalhar neste sentido: espelharmos em nossas próprias famílias (e na Pastoral Familiar) o plano de Deus: uma comunidade de vida e de amor que nada pode quebrar! Testemunhar! Que a família seja “muito família”! O que temos feito neste sentido? O que podemos fazer para os próximos 30 anos? Recuperar a família como comunidade de vida e de amor parece impossível? Abrimos tantas concessões culturais perniciosas: famílias que não tem tempo de almoçarem juntas que não conversam, não convivem, só estão na mesma casa, mas cada um em suas atividades...
Precisamos criar momentos “muito família”. Não basta falar de amor é preciso viver o amor. Renunciarmos a nós mesmos para darmos a vida para os outros. Na exortação, do número 17 em diante deveria ser um fonte de inspiração para o relacionamento familiar.

Familiaris Consortio (42): “«Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e fundamento da sociedade humana», a família tornou-se a «célula primeira e vital da sociedade». A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem, de fato, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade. Assim por força da sua natureza e vocação, longe de fechar-se em si mesma, a família abre-se às outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social.”

Um exemplo concreto aconteceu com Madre Teresa de Calcutá: uma pessoa que lhe pediu que levasse comida para uma família indiana, da religião hindu. Ao chegar lá havia 1 mãe e 3 crianças, e a primeira coisa que a mãe fez foi dividir a comida com uma família de muçulmanos que passava fome também. Isso mostra um comportamento social da família, sem fechar-se em si mesma. E nós, como estamos ajudando às famílias da nossa Paróquia, de forma a não levá-las a formar um “clã” ou uma “panelinha”? É o nosso próximo ponto.

COMPORTAMENTO FAMILIAR – MUITO SOCIAL (ocupar, conquistar e expulsar)
A família constitui o lugar privilegiado de humanização da sociedade.

Familiaris Consortio (43): “A mesma experiência de comunhão e de participação, que deve caracterizar a vida quotidiana da família, representa o seu primeiro e fundamental contributo à sociedade. As relações entre os membros da comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da «gratuidade» que, respeitando e favorecendo em todos e em cada um a dignidade pessoal como único título de valor, se torna acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda. A promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se a primeira e insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para as mais amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo, do amor. Deste modo a família, como recordaram os Padres Sinodais, constitui o lugar nativo e o instrumento mais eficaz de humanização e de personalização da sociedade. Colabora de um modo original e profundo na construção do mundo, tornando possível uma vida propriamente humana, guardando e transmitindo em particular as virtudes e «os valores». Como escreve o Concílio Vaticano II, na família «congregam-se as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social». Assim diante de uma sociedade que se arrisca a ser cada vez mais despersonalizada e massificada, e, portanto, desumana e desumanizante, com as resultantes negativas de tantas formas de «evasão» - como, por exemplo, o alcoolismo, a droga e o próprio terrorismo - a família possui e irradia ainda hoje energias formidáveis capazes de arrancar o homem do anonimato, de o manter consciente da sua dignidade pessoal, de o enriquecer de profunda humanidade e de o inserir ativamente com a sua unicidade e irrepetibilidade no tecido da sociedade."

COMPORTAMENTO FAMILIAR – MUITO ECLESIAL (organizar) A família primeira nos dá a experiência de Igreja.


Familiaris Consortio (39); “A missão de educar exige que os pais cristãos proponham aos filhos todos os conteúdos necessários para o amadurecimento gradual da personalidade sob o ponto de vista cristão e eclesial. Retomarão então as linhas educativas acima recordadas, com o cuidado de mostrar aos filhos a que profundidade de significado a fé e a caridade de Jesus Cristo sabem conduzir. Para além disso, a certeza de que o Senhor lhes confia o crescimento de um filho de Deus, de um irmão de Cristo, de um templo do Espírito Santo, de um membro da Igreja, ajudará os pais cristãos no seu dever de reforçar na alma dos filhos o dom da graça divina. O Concílio Vaticano II precisa assim o conteúdo da educação cristã: «Esta procura dar não só a maturidade de pessoa humana... mas tende principalmente a fazer com que os batizados, enquanto são introduzidos gradualmente no conhecimento do mistério da salvação, se tornem cada vez mais conscientes do dom da fé que receberam; aprendam, principalmente na acção litúrgica, a adorar a Deus Pai em espírito e verdade (cfr. Jo. 4, 23), disponham-se a levar a própria vida segundo o homem novo em justiça e santidade de verdade (Ef 4, 22-24); e assim se aproximem do homem perfeito, da idade plena de Cristo (cf. Ef. 4, 13) e colaborem no aumento do Corpo Místico. Além disso, conscientes da sua vocação, habituem-se quer a testemunhar a esperança que neles existe (cf. 1 Ped. 3, 15), quer a ajudar a conformação cristã no mundo». Pela força do ministério da educação os pais, mediante o testemunho de vida, são os primeiros arautos do Evangelho junto dos filhos. Ainda mais: rezando com os filhos, dedicando-se com eles à leitura da Palavra de Deus e inserindo-os no íntimo do Corpo - eucarístico e eclesial - de Cristo mediante a iniciação cristã, tornam-se plenamente pais, progenitores não só da vida carnal, mas também daquela que, mediante a renovação do Espírito, brota da Cruz e da ressurreição de Cristo. Para que os pais cristãos possam cumprir dignamente o seu ministério educativo, os Padres Sinodais exprimiram o desejo de que seja preparado um catecismo para uso da família, com texto adequado, claro, breve e tal que possa ser facilmente assimilado por todos. As conferências episcopais foram vivamente convidadas a empenharem-se na realização deste catecismo."


Familiaris Consortio (33): "Também no campo da moral conjugal a Igreja é e age como Mestra e Mãe. Como Mestra, ela não se cansa de proclamar a norma moral que deve guiar a transmissão responsável da vida. De tal norma a Igreja não é, certamente, nem a autora nem o juiz. Em obediência à verdade que é Cristo, cuja imagem se reflete na natureza e na dignidade da pessoa humana, a Igreja interpreta a norma moral e propõe-na a todos os homens de boa vontade, sem esconder as suas exigências de radicalidade e de perfeição. Como Mãe, a Igreja está próxima dos muitos casais que se encontram em dificuldade sobre este importante ponto da vida moral: conhece bem a sua situação, frequentemente muito árdua e às vezes verdadeiramente atormentada por dificuldades de toda a espécie, não só individuais mas também sociais; sabe que muitos cônjuges encontram dificuldades não só para a realização concreta mas também para a própria compreensão dos valores ínsitos na norma moral. Mas é a mesma e única Igreja a ser ao mesmo tempo Mestra e Mãe. Por isso a Igreja nunca se cansa de convidar e de encorajar para que as eventuais dificuldades conjugais sejam resolvidas sem nunca falsificar e comprometer a verdade: ela está de fato convencida de que não pode existir verdadeira contradição entre a lei divina de transmitir a vida e a de favorecer o autêntico amor conjugal Por isso, a pedagogia concreta da Igreja deve estar sempre ligada e nunca separada da sua doutrina. Repito, portanto, com a mesmíssima persuasão do meu Predecessor: «Não diminuir em nada a doutrina salutar de Cristo é eminente forma de caridade para com as almas». Por outro lado, a autêntica pedagogia eclesial revela o seu realismo e a sua sabedoria só desenvolvendo um empenhamento tenaz e corajoso no criar e sustentar todas aquelas condições humanas - psicológicas, morais e espirituais - que são indispensáveis para compreender e viver o valor e a norma moral. Não há dúvida de que entre estas condições devem elencar-se a constância e a paciência, a humildade e a fortaleza de espírito, a filial confiança em Deus e na sua graça, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Eucaristia e da reconciliação. Assim fortalecidos, os cônjuges cristãos poderão manter viva a consciência do influxo singular que a graça do sacramento do matrimônio exerce sobre todas as realidades da vida conjugal, e, portanto, também sobre a sua sexualidade: o dom do Espírito, acolhido e correspondido pelos cônjuges, ajuda-os a viver a sexualidade humana segundo o plano de Deus e como sinal do amor unitivo e fecundo de Cristo pela Igreja.”


Precisamos nos organizar: não somos guerrilheiros desorganizados que lutam por si mesmos... Somos exercito em ordem de batalha. Um agente de pastoral que não tenha lido, re-lido, colocado em prática a Familiaris Consortio e outros documentos básicos, estará agindo isoladamente! O que trouxe, traz e ainda trará a Familiaris Consortio para a minha vida e o meu trabalho. Vamos preparar o futuro da família e da sociedade brasileira, olhando também para o que há de tão rico que nos foi deixado de herança do passado. A situação não é desastrosa, mas é preocupante. O que nossos filhos viverão no futuro? O que vivermos no presente!!

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