domingo, 19 de junho de 2016

RETIRO DA PASTORAL FAMILIAR 2016 (PARTE 3)



2ª PALESTRA: ESTUDO DE CASOS

CASO 1

Tícia está grávida de 28 semanas mas sofreu uma ruptura da bolsa e infecção. Apesar do tratamento, seu estado piorou, com risco de septicemia e os médicos recomendaram uma indução prematura do parto. Explicaram que havia um risco para o bebe que por imaturidade do desenvolvimento dos pulmões. Durante o procedimento, porém, os médicos alertaram que poderia haver momentos em que os médicos poderiam ter que decidir entre a vida dela ou do bebe. Teriam 24h para decidir se aceitariam tal procedimento. O casal pediu aconselhamento ao sacerdote, que lhes explicou que o procedimento era justo, pois visava salvar duas vidas. Os pais concordaram com os médicos e tudo correu bem.


CASO 2
Atenágoras e Escolástica  são um casal jovem. Conheceram-se e de pois de um namoro não muito longo se casaram. Tem dois filhos pequenos em idade de educação infantil. Aproveitando a flexibilidade no seu horário de trabalho em vendas, Escolástica decidiu reduzir seu horário de trabalho para se dedicar mais a família, o que Atenágoras achou ótimo. Pouco tempo depois, ele recebeu uma promoção na multinacional em que trabalhava. Pela segurança financeira, Escolástica pensou que poderiam ter mais filhos. Sabia que a empresa exigiria mais dele, como já havia visto acontecer com os maridos de amigas.
O marido começou a chegar cada vez mais tarde em casa, viajar muito... quando estava em casa só viam televisão ou discutiam sobre questões econômicas, brigando e acusando se mutuamente.
Depois de uma briga, Escolástica foi desabafar com sua amiga Eufrásia, que é divorciada. Esta lhe aconselhou que, como tem gente que não dá sorte nas escolhas e que não há sentido em continuar se o amor acabou. Escolástica começou a cogitar a possibilidade de um divórcio.
Foi se confessar com o sacerdote a quem costumava recorrer e lhe expôs toda situação.

PERGUNTAS
CASO 1
Em que consiste a indução prematura do parto?
É um conjunto de procedimentos que visa induzir as contrações uterinas para antecipar o parto quando há algum risco de vida para a mãe e/ ou o bebê, já em estágio mais avançado de gestação. Seria o indicado para o caso de Tícia de ruptura da bolsa sem trabalho de parto natural.
Há chance de sobrevivência da criança, ainda que seja em unidades de tratamento intensivo com os devidos cuidados? Nos países com bom sistema de saúde a partir das 22/ 23 semanas já há viabilidade de sobrevivência.
Portanto, induzir o parto antes da viabilidade do feto é aborto, dentro do estágio atual de progresso da neonatologia. A taxa de sobrevivência nesta etapa é de 17% apenas. A partir de 28 semanas, essa taxa já sobre para 80%. Após a 30ª semana, já se chega a 95%. O normal seria uma gestação de 42 semanas. Esse é o panorama médico. Aqui no Brasil, infelizmente há poucas UTIs neonatais. No Rio, só há duas UTIs verdadeiramente especializadas em estrutura e pessoal: na Perinatal de Laranjeiras e da Barra.
Agora analisamos a ética humana e cristã. Quando a situação da criança e da mãe alcança uma situação crítica, surge a pergunta: deve-se ou não induzir o parto? A indução prematura de um feto viável pode ser a única chance de salvar-lhe a vida. Em casos, por exemplo de incompatibilidade de RH. Não há risco para a mãe, mas para a criança, sim. Outros casos lícitos são em casos de perigo de vida para a mãe, como infecção intrauterina ou pré-eclampsia. Não se procura a morte da criança, mas procura se salvar a mãe em risco eminente de morte.
Qualquer ato que na indução prematura do parto cause intencionalmente a morte da criança não nascida é um ato mau e desordenado, pois é um aborto.
Na mentalidade de pessoas que não tem formação ética, existe o aborto terapêutico. Mata se primeiro a criança e depois vão tratar a saúde da mãe. O temor terapêutico aí é totalmente mau empregado, porque não é o aborto que cura a mãe. Portanto, não pode ser moralmente aceito.
E quando os dois correm risco eminente de morte e a criança ainda não é viável. É o caso de uma gravidez ectópica por exemplo. Nesses casos a chance é de apenas 1% de chegar a um tempo de viabilidade sem que se trompa se estoure. É um caso complicadíssimo. Não havendo nenhuma chance de salvar o filho, a opção do casal e do médico é a de salvar a mãe. Já que a morte do bebe é inevitável, salva se, pelo menos, a mãe. Ninguém de seja a morte da criança, nem se provoca voluntariamente a sua morte. A atitude mais ética neste caso é tentar salvar a vida dos dois, mas quando não há mais salvação para a criança é um mal menor deixar a criança morrer para conseguir salvar a mãe.
Se há um acidente de trânsito com uma grávida de 20 semanas e a mãe está à beira da morte. O que fazer se também não há viabilidade? Deixar o bebê nascer, ainda que tenha todas as chances de morrer e tentar salvar a mãe. Ou seja, salvar a vida salvável.
O que devemos estar muito atentos? Há um projeto de lei para a indução ao parto. Ora, isso não é algo jurídico, mas médicos! Nada mais é do que tentativas de se legalizar o aborto depois do diagnóstico de doenças. É uma manipulação da linguagem para aborto eugênico para casos de síndrome de Down, microcefalia, defeitos no tubo neural... Jamais podemos aceitar isso! E precisamos acompanhar essas questões no cenário político.  
Em 1971, o secretário de estado americano produziu o chamado relatório Kissinger. Um programa de controle demográfico da população mundial feito por ONGs, pela ONU e por Fundações com McArthur, Rockfeller e Ford recomendando aborto como única saída Lara o controle do crescimento da população mundial. Por isso, se chama o embrião de monte de células, que só se é ser humano depois de nascido, e agora, só depois dos quatro anos porque antes disso não se tem consciência de si. Vemos como a mentira impera e se confundem a consciência das pessoas.

CASO 2

Que princípios podem ter o sacerdote e os leigos para ajudar quem passa por dificuldades matrimoniais?
1- Boa preparação para a vida matrimonial
O ambiente familiar em que as pessoas crescem deveria ser a primeira e principal escola de preparação para a vida matrimonial, e não a que é oferecida nas Igrejas. Aprendemos a viver a vocação como os pais vivem. Hoje mais do que nunca com um ambiente social tão desfavorável é preciso cuidarmos muito bem do ambiente familiar. A evangelização da cultura é urgente e esta parte das boas famílias, disseminando bons costumes. Um EPVM de um dia não adianta nada! Estamos sendo absurdamente omissos. Como resolver crises atuais com o que deveria ter sido feito e resolvido antes mesmo do sacramento? A prevenção pela educação adequada é a melhor maneira de se evitar as crises conjugais.

2-  E, no dia a dia, cultivar detalhes de carinho ainda que exijam sacrifícios.
Pai e mãe juntos agindo na educação dos filhos. Já é errado terceirizar a educação dos filhos para a escola, que dirá o pai terceirizar a responsabilidade para a mãe exclusivamente.
Entre o casal, é preciso adiantar-se no diálogo aberto e sereno, expressando seus sentimentos, dúvidas, sonhos e necessidades.
Não se surpreender com as crises também é fundamental. São diferentes crises que podem surgir em diferentes etapas da vida, desde o início do casamento até quando os filhos saem de casa para seguirem suas vidas.
Não permitir que coisas pequenas ganhem grandes proporções. Normalmente é um problema de egoísmo e não do problema em si.
Saber recriar o amor com coisas simples e normais.
Crise vem de critério. O que é melhor: a promoção profissional ou matrimonial?  No Encontro Mundial das famílias de 2012 responder uma pergunta de um casal que quase chegou ao divórcio, o papa Bento XVI relembrou que o escuro e o luminoso se completam e que as crises enriquecem o relacionamento e nos motivam a amarmos novamente e amadurecermos enquanto pessoa e casal.

Quando se tem que recorrer a separação?
Prescreve o CCE (Código de Direto Canônico) 1153, 1, que se um dos cônjuges põe em grave perigo espiritual ou corporal o outro cônjuge ou a prole, ou faze exageradamente dura a vida em comum, o sacerdote pode, dependendo da urgência e gravidade do caso, ele próprio ou o bispo local. Quando não há mais nenhuma tentativa possível de reconciliação, a separação é indicada e cabe à Igreja dar uma atenção e consolação toda especial principalmente à parte mais fraca, reafirmando o valor do amor e do perdão. 


6ª MEDITAÇÃO: OS ÓCULOS E O CORAÇÃO DE DEUS

Vejamos esta história:
Um agiota morreu. Chegou na porta do céu, não viu ninguém e foi entrando. Até que chegou a um lugar chamado escritório de Deus e viu um par de óculos por sobre a mesa. Ao coloca lós, ele olhou para a terra e começou a ver só coisas boas. Viu seu ex-sócio trabalhando e ganhando muito, muito dinheiro. Com inveja e raiva, pegou o banquinho onde Deus apoiava seus pés, jogou com toda força na cabeça do ex-sócio, que morreu na hora. Nisto, chega Deus e todos os anjos e santos, voltando de um piquenique. Ele entra no escritório e recebe com alegria o agiota. Ao perceber uma certa bagunça, Deus pergunta: “Onde está meu banquinho?”. O agiota, muito constrangido, explica tudo o que aconteceu. E Deus diz: “Não basta só olhar com os meus óculos... É preciso sentir com o meu coração!”.

Como diz o salmista precisamos dilatar o nosso coração para (re)aprendermos a amar. Precisamos “fazer um transplante” de coração, para termos um coração mais parecido com Deus.
Vamos refletir sobre a misericórdia de Deus. Deus nos olha com olhar de pai, misericordioso, mas também justo. Todos nós fomos criados para a Vida Eterna, onde só haverá amor. A misericórdia é a máxima justiça de Deus. Justiça é dar ao outro aquilo que lhe é devido. Deus nos criou para Ele e quer que voltemos para Ele.
O papa Francisco nos tem falado muito sobre a misericórdia e o diálogo. Lembrou que como Deus nunca se cansa de perdoar, nós também não podemos nos cansar de pedir perdão. Uma prova concreta é o sacramento da confissão. Não podemos nos cansar de pedir o perdão e nem de perdoar.
São Vicente de Paulo se dedicou muito à formação dos sacerdotes e à caridade com os pobres. No final da vida, seus irmãos de comunidade o ajudavam com perguntas para recitar o Credo. Depois passaram a ajuda ló a fazer um ato de caridade. Ao perguntaram se perdoava as pessoas que o tinham ofendido a longo da vida, ele respondeu um sonoro não. Os confrades se espantaram e repetiram a pergunta: “O senhor tem certeza que não vai querer perdoar quem o ofendeu ao longo da vida?” Ele insistiu:  “Não!” E acrescentou que não precisava perdoar ninguém que o ofendeu porque ele nunca havia se sentido ofendido. Só quem já aprendeu a amar, não precisa perdoar.
Precisamos criar em nós um coração semelhante ao coração de Deus, capaz de amar até nossos inimigos. Dilatados o nosso coração para esse amor Divino pela confissão frequentem Eucaristia, adoração, leitura bíblica...“Nisto conhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.”, disse Jesus.
O papa Francisco tem nos dado exemplos concretos disso. No livro ‘O Nome de Deus é Misericórdia’ vemos tantos exemplos concretos e comoventes. Como o caso da mulher que se prostituía para ajudar a alimentar os filhos. A paróquia do padre Bergólio lhe dava mensalmente uma cesta básica. Um dia, fez questão de agradecer pessoalmente ao padre, não pela comida, mas porque ali era o único lugar em que ela era chamada de ‘senhora’.

A justiça é o mínimo da misericórdia e a misericórdia é o máximo da justiça. Temos o coração transplantado e precisamos cuidar muito bem dele para que o amor não morra em nós.

sábado, 18 de junho de 2016

RETIRO DA PASTORAL FAMILIAR 2016 (parte 2)




3ª MEDITAÇÃO: CUIDAR DA VIDA EM FAMÍLIA

“Espero que cada um (...) se sinta chamado a cuidar com amor da vida das famílias...” (AL, 7)
Diz o papa na introdução da Amoris Laetitia. Mas isso requer um passo prévio que é cuidar com amor da VIDA EM FAMÍLIA. Uma vida em família bem cuidada é como um perfume que se difunde. São Paulo falava que nós, cristãos, devemos levar ao mundo o ‘bom odor de Cristo’ (cf. IICor 2, 15). Devemos levar ao mundo -- tão carente -- o bom odor da vida em família também. Como pretendo ajudar outras famílias se eu não consigo cuidar da minha própria família?! Esse tema é tão amplo que não se esgota. Por isso, me restrinjo a três pontos.

1) CUIDAR DO AMBIENTE FAMILIAR para que seja um ambiente de Amor e de amor. Ter os dois amores, o Amor a Deus e o amor ao próximo que não são alheios entre si, nem simplesmente sobrepostos. O Amor a Deus se manifesta no amor ao próximo e o amor ao próximo nos ajuda a amar mais a Deus.
Pensemos na parábola do filho pródigo. O pai ao ver o filho chegando, o que o pai faz? Espera? Não. Sai correndo ao seu encontro e o acolhe. Com o mesmo coração fraco e limitado que amamos ao próximo, somos convidados amar também a Deus. Inspirados na Sagrada Escritura somos convidados a fazer essa oração: “Arrancai de mim, Senhor, o coração de pedra e dai-me um coração de carne.” (cf. Ez 36,26). O papa Francisco já nos exortava a não termos medo da ternura. Uma pena que com o passar dos anos a vida em família é pautada num perigoso “acostumamento”. Nos acostumamos com a rotina, com as pessoas... nada se renova e tudo cai na monotonia. Monotonia na família que acaba se refletindo na monotonia na vida espiritual. Em vez de ser um amor crescente, torna-se um amor minguante por puro descuido. A vida em família deve primar pelos detalhes esmerados da convivência humana.
Reflitamos com a Amoris Laetitia (319):

“No Matrimônio, vive-se também o sentido de pertencer completamente a uma única pessoa. Os esposos assumem o desafio e o anseio de envelhecer e gastar-se juntos, e assim refletem a fidelidade de Deus. Esta firme decisão, que marca um estilo de vida, é uma «exigência interior do pato de amor conjugal»,  porque, «quem não se decide a amar para sempre, é difícil que possa amar deveras um só dia».  Mas isto não teria significado espiritual, se fosse apenas uma lei vivida com resignação. É uma pertença do coração, lá onde só Deus vê (cf. Mt 5, 28). Cada manhã, quando se levanta, o cônjuge renova diante de Deus esta decisão de fidelidade, suceda o que suceder ao longo do dia. E cada um, quando vai dormir, espera levantar-se para continuar esta aventura, confiando na ajuda do Senhor. Assim, cada cônjuge é para o outro sinal e instrumento da proximidade do Senhor, que não nos deixa sozinhos: «Eu estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).”

O cuidado e a delicadeza no amor ao próximo se reflete no amor a Deus. Se não conseguimos isso não é por gênio mas por falta de relacionamento com Deus.
 No número 320 da Exortação, lemos:

“Há um ponto em que o amor do casal alcança a máxima libertação e se torna um espaço de sã autonomia: quando cada um descobre que o outro não é seu, mas tem um proprietário muito mais importante, o seu único Senhor. Ninguém pode pretender possuir a intimidade mais pessoal e secreta da pessoa amada, e só Ele pode ocupar o centro da sua vida. Ao mesmo tempo, o princípio do realismo espiritual faz com que o cônjuge não pretenda que o outro satisfaça completamente as suas exigências. É preciso que o caminho espiritual de cada um – como justamente indicava Dietrich Bonhoeffer – o ajude a « desiludir-se » do outro,  a deixar de esperar dessa pessoa aquilo que é próprio apenas do amor de Deus. Isto exige um despojamento interior. O espaço exclusivo, que cada um dos cônjuges reserva para a sua relação pessoal com Deus, não só permite curar as feridas da convivência, mas possibilita também encontrar no amor de Deus o sentido da própria existência. Temos necessidade de invocar cada dia a ação do Espírito, para que esta liberdade interior seja possível.”

No amor não existem pronomes possessivos. Na verdade, a esposa não é “minha”, nem o marido, nem os filhos são “meus”... são dons de Deus que precisamos cuidar para devolver pra Ele. E como só Deus é perfeito, não esperemos perfeição dos outros. Quando vivemos assim, querendo apenas nos doar aos outros, exalamos o perfume de Cristo.

2) O segundo ponto é buscar a ALEGRIA DA VIDA EM FAMÍLIA. Onde? Na Lapa? Em viagens excêntricas? Por que os jovens gostam tanto de baladas? Porque nossa casa parece um velório! Vão buscar fora de casa, o que não tem dentro. São Paulo nos diz: “Não vos esqueçais da hospitalidade, pela qual alguns, sem o saberem, hospedaram anjos.” (Hb 13, 1-2)
É preciso saber acolher as pessoas como elas são e saber recolher seus cacos, ou seja, seus defeitos. Precisamos dar um bom exemplo de um amor que vale a pena ser vivido. Hoje em dia se curte, comenta e compartilha tanta coisa no Facebook... e em casa? Um dos momentos mais alegres da vida em família é jogar conversa fora na sala de estar (sala de estar, de ficar e não de “passar”). O interesse pelos assuntos e pela vida do outro torna o ambiente alegre e acolhedor. Mas para isso, precisamos sair de nós mesmos para nos importamos com o outro.

3) Cuidar da vida em família para que seja um AMBIENTE CHEIO DE VIDA. ‘Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.’ (Jo 10, 10). A influência negativa de certos programas externos é inversamente proporcional à qualidade de vida daquela família. O vazio atrai. Se não há vida plena, algo vai ocupar o lugar... o egoísmo, o consumismo e outros tipos de compensações econômicas, sentimentais... Se não há vida agradável, se enchem os armários e as carteiras. Falta vida social dentro de casa. Tratar os outros não só com caridade, mas também com carinho. Uma vida familiar cheia de momentos interessantes impede que entrem as drogas, as traições... de carinho em carinho vamos enchendo a vida familiar daquilo que atrai. Se estamos tão sedentos de carinho e compreensão, quando esses nos faltam, agimos com os gatinhos famintos qualquer a mão estendida seguem. Quantas vezes se dá mais carinho as plantas e animais que as pessoas.
Carinho é ter a capacidade e sentir o coração do outro com seus movimentos de sístole e diástole. Movimentos de contração e relaxamento. Dando e recebendo. Carinho é cuidar dos outros e deixar-se cuidar. Pela experiência sacerdotal já vi muitas vezes que é mais difícil deixar-se amar que amar o outro. Deixar-se cuidar que cuidar dos outros. O que o outro quer dar, deixe-o dar. O que o outro quer fazer, deixe-o fazer. Como é bom voltar pra casa depois de um dia difícil e saber que encontraremos um remanso de paz e carinho. Saber que vamos encontrar um sorriso, um abraço, conversas amenas... a vida familiar é cheia de vida quando é leve e suave e nos revigora para enfrentar mais um dia de vida dura.
Para cuidar das famílias não precisamos fazer cursos, congressos, bailes... o principal na Pastoral Familiar é que a minha família seja modelo para as outras famílias. Com um amor que não é oficial ou "pro forma", mas que é cheio de carinho. O egoísmo deixa um rescaldo de tristeza. A doação traz um fruto maravilhoso que é a alegria de viver junto. Que as pessoas percebam que o carinho é a lei da alegria familiar e sintam em nós o bom odor da família de Nazaré.




4ª MEDITAÇÃO: PREENCHER OS VAZIOS FAMILIARES

Um conto de Guimarães Rosa, muito interessante sobre o “nada”, mostra uma senhora entrando numa loja e pedindo tecido para remendos. Ao que o vendedor responde: “De que cor são os buracos?”
Ora, os buracos não tem cor. Quando se deixa de viver o que é devido e de vida vão acontecendo buracos na responsabilidade familiar, no relacionamento conjugal, na vida cristã, na educação dos filhos, vários buracos no tecido que compõe a vida familiar. E se é verdade (e é mesmo) que as ações são atos de amor, então as omissões são “desamores”. Não basta ter uma boa razão para fazer o bem, é preciso ter amores fortes para evitar as omissões.
Nesse mundo de individualismo, utilitarismo, consumismo temos que ter cuidado para não fazermos um “projeto de Deus”, mas ao nosso jeito. Há um provérbio bem conhecido, mas o mais surpreendente é o autor desse provérbio: “O caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.”. Seu autor? Karl Marx. Será que ele tinha um conceito verdadeiro de boas intenções? Não sabemos. Se por “boas intenções” ele se referia ao projeto de Deus, ele está errado. Mas se boas intenções são apenas palavras bonitas que não levam a nada, então, ele está certo.
Em meditações de São Josemaria Escrivá sobre a Via sacra, numa das estações, ele fala sobre uma das quedas de Cristo que se deve a todo mal que eu fiz e todo bem que eu deixei de fazer. Não sabemos se o pior é fazer o mal ou deixar de fazer o bem.
Sei que este não é um tema muito agradável, mas que temos que encarar a sério. A omissão vai causando em nós buracos. Buracos nas iniciativas, omissão com um nome muito bonito: os adiamentos – “amanhã, depois, mais tarde, quando eu me aposentar...”. Omissão na boa formação humana e cristã (formação essa que não termina nunca)... A vida é muito mutável, nunca serei PHD em família, nem especialista em moral, em ética...
Quem pode fazer o bem e não faz por preguiça já está cometendo um mal. Mas quem pode fazer o bem e se omite está fazendo um mal muito pior e as omissões familiares são muito mais sérias do que possamos imaginar. E seus remorsos são mais dolorosos que o das confissões. E começamos a criar ladainhas: “Eu deveria ter feito isso..., deveria ter dito isso... deveria ter corrigido... onde foi que eu falhei?”. Pode parecer absurdo, mas é preferível pecar fazendo o mal do que omitir num bem que não deveria ser adiado. De um mal, Deus pode tirar um bem na sua misericórdia, mas de um buraco, de uma omissão, falta até a base. O mal é a falta de um bem devido, mas a omissão é um buraco negro.
Qual é a causa das omissões na vida? Uma delas é agir como João e Tiago (Mc 10, 35-40):

“Nisso Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: "Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir". "O que vocês querem que eu faça?", perguntou ele. Eles responderam: "Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda". Disse-lhes Jesus: "Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que estou sendo batizado?" "Podemos", responderam eles. Jesus lhes disse: "Vocês beberão o cálice que estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados".

Não tinham a dimensão do “Podemos..”. Um “podemos” fraco com o qual responderam a Jesus.
Uns dizem: “Eu posso ir contra a correnteza”... mas é um “posso” tão fraco que acabamos mudando de ideia. A omissão é fazer menos do que podemos.  Cada um de nós recebeu muitos talentos. Lembremos da parábola dos talentos que Jesus contou. Temos a inteligência, a liberdade, os sacramentos, os dons do Espírito Santo, as virtudes, graças atuais, os exemplos de Santos reconhecidamente canonizados ou não.
Posso sempre fazer mais mesmo que não seja o que está na correnteza da cultura atual. Eu posso ter uma família mais dentro do projeto de Deus. Meu lar pode ser mais sóbrio, menos consumista.
No número 57 da Amoris Laetitia, lemos: 

“Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e continuam para diante embora caiam muitas vezes ao longo do caminho. Partindo das reflexões sinodais, não se chega a um estereótipo da família ideal, mas um interpelante mosaico formado por muitas realidades diferentes, cheias de alegrias, dramas e sonhos. As realidades que nos preocupam, são desafios. Não caiamos na armadilha de nos consumirmos em lamentações autodefensivas, em vez de suscitar uma criatividade missionária. Em todas as situações, « a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. (...) Os grandes valores do Matrimônio e da família cristã correspondem à busca que atravessa a existência humana ».  Se constatamos muitas dificuldades, estas são – como disseram os bispos da Colômbia – um apelo para «libertar em nós as energias da esperança, traduzindo-as em sonhos proféticos, ações transformadoras e imaginação da caridade».”

Tentamos nos defender das nossas omissões. Temos uma missa muito importante de formarmos uma família própria e ajudar outras famílias com a força da nossa liberdade. Como a piada daquele homem que dizia ser tão fraco que seu coração não batia, apanhava.
Peçamos perdão a Deus, inclusive na confissão, por todo mal que eu fiz e por todo bem que eu deixei de fazer. Por trás de todos aqueles que fazem o mal, houve alguém omisso que não soube cuidar, corrigir e aconselhar. Na história há muita gente responsável por uma atuação ou omissão em cadeia.
Em todo capítulo 4 da Amoris Laetitia, o Papa nos apresenta um bom exame de consciência baseado em I  Cor 13. Começa falando da omissão da caridade na paciência.

“A primeira palavra usada é « macrothymei ». A sua tradução não é simplesmente « suporta tudo », porque esta ideia é expressa no final do versículo 7. O sentido encontra-se na tradução grega do texto do Antigo Testamento onde se diz que Deus é « lento para a ira » (Nm 14, 18; cf. Ex 34, 6). Uma pessoa mostra-se paciente, quando não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir. A paciência é uma qualidade do Deus da Aliança, que convida a imitá-Lo também na vida familiar. Os textos onde Paulo usa este termo devem ser lidos à luz do livro da Sabedoria (cf. 11, 23; 12, 2.15-18): ao mesmo tempo que se louva a moderação de Deus para dar tempo ao arrependimento, insiste-se no seu poder que se manifesta quando atua com misericórdia. A paciência de Deus é exercício da misericórdia de Deus para com o pecador e manifesta o verdadeiro poder.” (AL, 91)

Um belo capítulo para fazermos um exame de consciência sobre nossos silêncios acusativos e nossas máscaras. A caridade é serviçal, prestativa. Não é interesseira. Em quantas ocasiões temos a oportunidade de servir, mas queremos ser servidos! Por que é sempre o outro que tem que colocar as coisas em ordem? Não omitir-se na formação dos filhos neste sentido também. Não só falando e pedindo, mas dando bom exemplo.

“Deste modo Paulo pretende esclarecer que a « paciência », nomeada em primeiro lugar, não é uma postura totalmente passiva, mas há-de ser acompanhada por uma atividade, uma reação dinâmica e criativa perante os outros. Indica que o amor beneficia e promove os outros. Por isso, traduz-se como « prestável ».
No conjunto do texto, vê-se que Paulo quer insistir que o amor não é apenas um sentimento, mas deve ser entendido no sentido que o verbo « amar » tem em hebraico: « fazer o bem ». Como dizia Santo Inácio de Loyola, « o amor deve ser colocado mais nas obras do que nas palavras ».  Assim poderá mostrar toda a sua fecundidade, permitindo-nos experimentar a felicidade de dar, a nobreza e grandeza de doar-se superabundantemente, sem calcular nem reclamar pagamento, mas apenas pelo prazer de dar e servir.” (AL, 93-94)

Hoje em dia com todas as questões do politicamente correto sumiram as placas de “entrada de serviço e elevador de serviço”. Mas estas não deveriam ser apenas para funcionários e empregados mas deviam valer para todos nós que servimos.
Uma das tendências fortes em nós e que é fruto do pecado original é a vontade de mandar. Porque ninguém quer servir! Bom roteiro para fazer o exame de consciência no serviço.

“Amar é também tornar-se amável, e nisto está o sentido do termo asjemonéi. Significa que o amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Os seus modos, as suas palavras, os seus gestos são agradáveis; não são ásperos, nem rígidos. Detesta fazer sofrer os outros. A cortesia « é uma escola de sensibilidade e altruísmo », que exige que a pessoa « cultive a sua mente e os seus sentidos, aprenda a ouvir, a falar e, em certos momentos, a calar ».  Ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor, por isso « todo o ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam ».  Diariamente « entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza duma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. (...) E quanto mais íntimo e profundo for o amor, tanto mais exigirá o respeito pela liberdade e a capacidade de esperar que o outro abra a porta do seu coração ».” (AL, 99)

Quais têm sido minhas omissões na amabilidade? Por isso, o Papa precisou lembrar das palavras "por favor, desculpe e obrigado" como as indispensáveis para a vida em família e em sociedade. Como os maus exemplos são contagiosos, também assim é a omissão.
Que esta meditação do final do dia tenha em nós um efeito positivo para estimular em nós um exame de consciência e uma profunda mudança de atitudes. "A messe é grande, mas os operários são poucos." (Lc 10, 2), porque muitos se omitem. Que desperte nossa consciência.
Sempre há alguém que podemos convidar, instruir...

Eu não estaria aqui hoje se o colega que sentava atrás de mim não tivesse insistido tanto para eu ir assistir a palestra de um padre. Era Dom Rafael Llano Cifuentes.  Na época, padre Rafael. Meu amigo insistiu tanto... que acabei aceitando ir na palestra de um padre num sábado a noite... E por isso, hoje estou aqui. Não podemos nos omitir! Muitas pessoas se beneficiarão. Converter-se não é só deixar de fazer o mal, mas é também fazer o bem que outrora deixamos de fazer.

RETIRO DA PASTORAL FAMILIAR 2016 (parte 1)



1ª MEDITAÇÃO: ESPIRITUALIDADE FAMILIAR

Dentro da Igreja Católica há uma infinidade de tipos diferentes de espiritualidade, baseadas em estilos de vida, nos exemplos dos santos, nas instituições ou comunidades... na Exortação apostólica Amoris Laetitia o papa Francisco fala de uma ESPIRITUALIDADE FAMILIAR. Ou seja, uma espiritualidade que é própria da família, é a espiritualidade da comunhão. O papa fala que a família é um templo da comunhão matrimonial. E aí nesse templo habita a Santíssima Trindade. Não é uma espiritualidade de instituições ou de carismas aplicada à família, mas própria da família mesmo, que é templo de amor e de vida.
A espiritualidade de familiar concede aos pais, aos esposos, aos irmãos e filhos um especial caminho de salvação. A espiritualidade familiar assim apresentada pelo papa é uma via direta para entrar em comunhão com a Santíssima Trindade, e é fundamentada em I Jo 4, 12: 

“Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e seu amor em nós é plenamente realizado.”

É a união do Pai, do Filho e do Espírito de Amor com a minha família. Essa é uma profunda espiritualidade cristã no matrimônio e na família.
Neste retiro somos convidados a nos aprofundarmos nesta espiritualidade e levarmos a nossa família, seguindo o itinerário do qual o Espírito Santo se serve, para nos elevar às alturas de modo que o amor intratrinitário seja fortificado em nós. Começando nos detalhes cotidianos de hospitalidade, conversa, serviço, acolhimento... o lar é a hospedaria onde Deus vem ficar. O Espírito Santo conta até com nossas fragilidades e defeitos, com os ritmos do nosso amadurecimento humano no amor para criar esta habitação.
Não temos simplesmente uma casa ou um lar. Temos um TEMPLO. Na oração na última página do documento, temos uma oração essa dirigida a Sagrada Família, na qual destacamos, em especial o trecho abaixo:

‘Oração à Sagrada Família
Jesus, Maria e José,
em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, confiantes, a Vós nos consagramos.
Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias lugares de comunhão e cenáculos de oração, autênticas escolas do Evangelho e pequenas igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais haja nas famílias episódios de violência, de fechamento e divisão; e quem tiver sido ferido ou escandalizado seja rapidamente consolado e curado.
Sagrada Família de Nazaré, FAZEI QUE TODOS NOS TORNEMOS CONSCIENTES DO CARÁTER SAGRADO E INVIOLÁVEL DA FAMÍLIA, DA SUA BELEZA NO PROJETO DE DEUS.
Jesus, Maria e José, ouvi-nos e acolhei a nossa súplica.
Amém.’

A espiritualidade familiar é a grande novidade dessa exortação. Pode-se falar -- sem erro teológico -- que existem duas Trindades: a do céu e a da terra. No Céu: Pai, Filho e Espírito Santo. Na terra, temos a Sagrada Família, onde o FILHO habita por amor ao PAI e sempre assistido pelo ESPÍRITO SANTO. Deve ser o nosso modelo. Lembremos da bonita devoção das sete dores e sete alegrias de Maria e de José. Nossa família também pode ser a Trindade da Terra...
E que neste retiro, o Espírito Santo nos inspire os momentos em que devemos falar e os momentos em que devemos calar. O silêncio é consubstancial a nossa vida. Assim, exercemos nossa atividade mais nobre: pensar, refletir, ter lucidez para distinguir o bem do mal e a realidade da fantasia. Em vez de ouvir conversas, vamos ouvir Deus. Retiro é retirar-se delicadamente. Devemos falar apenas o mínimo necessário. Quando falamos, Deus se cala. Quando silenciamos, Deus fala conosco. As palavras podem ferir as pessoas.
Vamos nos interessar com atenção e carinho a ouvir Deus. Que seja para nós uma oportunidade de uma profunda conversão da minha espiritualidade familiar e não apenas de algum defeito ou ponto fraco. Com certeza, ao final do retiro, renovaremos nossa espiritualidade pessoal e familiar.

2ª MEDITAÇÃO: ESCOLHER A MELHOR PARTE 

Logo no início da exortação apostólica Amoris Laetitia, o papa fala de uma esperança que ele deposita no mundo e em cada um de nós.

“Espero que cada um, através da leitura, se sinta chamado a cuidar com amor da vida das famílias, porque elas « não são um problema, são sobretudo uma oportunidade.” (AL, 7)

De fato, a vida em família é uma grande oportunidade. Oportunidade de descobrir o amor, de trazer a Trindade para dentro da nossa casa, de exercitarmos as obras de misericórdia. Olhemos para um exemplo bíblico que é o lar de Betânia, onde moravam Marta, Maria e Lázaro. Conhecemos a cena em que Marta perdeu uma grande oportunidade.

“Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada..” (Lc 10, 41-42)

Jesus não perdeu a oportunidade de exortar Marta e Maria não perdeu a oportunidade do tempo de Deus na sua vida para reafirmar seu amor a Jesus. A vida está passando. Nosso tempo de vida vai escapando por nossos dedos. Se nos descuidados, podemos estar vivendo distraidamente, ocupados com tantas coisas mas não com o essencial. Às vezes, entramos na roda viva de fazer, organizar, correr.... andamos inquietos, perdemos a paz interior... perdemos a melhor parte!
Às vezes, estamos tão afogados no tempo que acabamos perdendo tempo. Deixamos de ir ao encontro daquilo que realmente dá sentido à vida: a riqueza interior. O que vem de fora para o qual nos dirigimos com tanto afã, não nos enriquece. Aproveitemos oportunidades como essa -- de um retiro -- para irmos ao encontro do que é essencial.
Isso vale para a família. Há tanta oferta de tanta coisa, que não nos sobra tempo para vivermos a melhor parte. Aristóteles escreveu a seu filho, na obra “Ética a Nicômano” que devemos nos esforçar para viver de acordo com o que há de excelente dentro de nós. Sábio conselho que deveríamos seguir para não nos desgastarmos com coisas que passam. Jesus mesmo disse que o Reino de Deus está dentro de nós (cf. Lc 17, 21b). Marta estava preocupada em alimentar o corpo de Cristo. E não percebeu que era Cristo que queria alimentar a sua alma.
De forma prática, isso implica em nos colocarmos na presença de Deus desde o início do dia, começando com uma oração pessoal logo depois de acordar. É uma boa forma de cuidarmos da morada de Deus que é cada um de nós: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (I Cor 3,16), dizia são Paulo. É possível nos agarrarmos às oportunidades que vão nos aparecendo durante todo o dia para vivermos o essencial que é Deus. Afinal, como vamos amar se não nos encharcarmos na fonte do amor que é Deus?!
Uma segunda oportunidade é cuidarmos para não nos deixarmos afastar de nós mesmos. Não são os outros que se afastam de nós. Nós é que primeiramente nos afastamos de nós mesmos, da nossa essência, o “excelente” que existe dentro de nós. Um grande risco neste sentido vem do ativismo, às vezes, até religioso, que nos leva perdermos a nossa identidade, por só nos preocuparmos com coisas externas a nós. Deus nos conhece pelo avesso e pode nos conduzir para práticas como um bom exame de consciência, escolha de boas leituras... Mas o ativismo pode vir sobre nós como um leão faminto a nos devorar e podemos nem perceber esse perigo porque estamos ocupando demais para tal. Dedicarmos um tempo para cuidarmos de nós mesmos e nos embelezarmos por dentro é fundamental. Os que se deixam levar pelos afazeres e se descuidam de si mesmos, tornam-se pessoas pobres, desinteressantes, tediosas, vazias. E isso enfraquece muito a vida familiar também.
Ressalto também como é importante não perder a oportunidade de aprofundar-se na sua vocação. Ela é o oxigênio da nossa vida. Na área da fisioterapia respiratória é recomendado que periodicamente por dia, se façam duas respirações bem, bem profundas para abrirmos todos os alvéolos. É como o fenômeno do assoreamento de um lago, por exemplo, em que se depositam tantos sedimentos no fundo, que a lâmina d´água se torna tão fina que toda vida começa a morrer... cuidado para que o mesmo não aconteça com a nossa vocação matrimonial. Conservá-la exige convivência, criatividade no amor... Não podemos viver superficialmente a vocação. A vida é curta demais para perdermos tempo com outra coisa que não seja nos aprofundarmos na nossa vocação. E quanto mais nos aprofundarmos na nossa vocação específica, mais nos aprofundaremos na nossa vocação batismal.


1ª PALESTRA: O INTERESSE PELA VERDADE

O Filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955) desabafou que, de todos os ensinamentos que a vida havia lhe proporcionado, o mais crítico, o mais inquietante e irritante é que a espécie menos comum na face da terra é a dos homens verazes. Afirmava: “Achei tão poucos tão poucos que perco até o ar... Uma alma necessita respirar almas afins. Uma alma que respira a verdade, necessita respirar a verdade...”. Triste, dizia ter achado apenas políticos.., que não veem o mundo como ele é mas como lhes convém.
Esta citação é de 100 anos atrás, mas é atualíssima. As pessoas se interessam mais pela utilidade das coisas do que pela VERDADE das coisas. Parece mais importante saber como utilizar as coisas que saber o que as coisas são.
Para a sociedade atual, para a vida da Igreja, para a profundidade da vocação é fundamental o interesse pela verdade. O que nos interessa hoje?  O que desperta o interesse dos nossos filhos? Se algo não tiver uma utilidade imediata... não lhes interessa. Acabamos nos preocupando com o que não é o principal.
O último recado de Jesus antes de partir para o céu foi:  “Ide e ensinai todas as nações...” (Mt 28 19) e mais: “... convém que eu vá, para que venha a vós o Espírito da Verdade...”. Não basta oferecer atividades para os membros da minha família. Não basta a igreja organizar shows. É preciso ensinar a Verdade, mas antes despertar o amor e o interesse pela verdade. Não apenas a verdade útil e cientifica, mas a verdade substancial.  O que é a família? O que são as virtudes? O que é o amor? O que é a vida? O que é um valor?
A pior mentira é a ‘meia verdade’.... por isso, vem proliferando em nossa cultura o ‘politicamente correto’ que, na maioria das vezes, não corresponde à verdade. A grande crise que vivemos é a falta de interesse pela verdade. E onde se desperta o interesse pela verdade sobre o homem é na família.
Por isso, devemos manter acesa em nós e em todos que nos cercam a chama do interesse pela verdade, e criarmos um círculo de amigos pela verdade, nos cercarmos de um grupo de pessoas que querem saber a realidade das coisas e não simplesmente o que as coisas parecem ou como alguns querem que elas sejam.
Por exemplo: O que é a família? Esse não é o debate hoje em dia. Não o que a família de fato é, mas, sim, o que querem que a família seja segundo uma nova visão de mundo e de organização da sociedade... não estão interessados na essência.
A utilidade, porém, é muito mais produtiva quando se sabe a identidade. Mas o mundo não percebe isso. A verdade é fundamental para se ter uma vida útil. Quanto mais eu sei a realidade de fato, mais eu posso tirar bom proveito dela, sem destruí-la. Dizem que os mais ativos na Igreja são os mais contemplativos. Um exemplo disso é Santa Teresa de Jesus. Que praticamente trancada dentro de um convento, mudou a Igreja e o mundo. Uma contemplativa era tão ativa, que chegou a ser até conselheira do rei Felipe II. Só quem sabe se interessar pela verdade, tirará proveito da realidade.
O que é interesse? É uma atitude da alma, especialmente e concretamente, é um fenômeno da inteligência. Um fenômeno é algo que está presente de forma bem explícita. Temos um estado de ânimo naturalmente interessado pela verdade. A inteligência humana se interessa em primeiro lugar, não o que é útil ou conveniente, mas pelo que é verdadeiro.
Esse fenômeno está presente em toda pessoa. O homem é um ser (não simplesmente um animal) racional. Chamar alguém de ‘burro’ é a pior das ofensas... e vemos hoje um emburrecimento coletivo, não só das crianças e dos jovens, mas de toda população brasileira. Um povo emburrecido pode ser utilizado e manipulado como se quer. Isso não vem de hoje, destes tempos de turbulência política, mas já é de um bom tempo.
Quando eu era criança, víamos peças consagradas de teatro brasileiro e mundial na TV. Hoje temos “Malhação”... e quanta gente descansa deitada diante da televisão. Vemos um obscurecimento do interesse pela verdade. 
Inteligência e vontade livre são as maiores características distintivas do ser humano. Uma pessoa que vive isso em plenitude é chamada de ‘interessante’, justamente porque tem interesse pela verdade e contagia os outros para que também o desenvolvam. O desejo propriamente humano é o de conhecer a verdade. A Bíblia fala que é preciso sermos pessoas de desejos fortes.
O que é interesse? Repito. O que é o nosso impulso pela verdade? A primeira origem da palavra interesse é do latim “inter – esse”, ou seja, estar entre dois pontos. Entre a realidade e a virtualidade. Me inclinou para o que é ou o que perece ser? Outra origem provável é “inter – est”, isto é, entrar no ser. Não basta só estar entre dois polos, é procurar chegar ao âmago do que cada realidade é.
O que se entende por verdade?  Muitos discutem isso de forma polemizada. A verdade é relativa, o que é verdade depende da pessoa, da cultura, da época, a verdade é uma imposição da Igreja, a ciência é que nos diz o que é a verdade, existem várias verdades,... há verdades tão falseadas e maquiadas e que são absorvidas pelas pessoas como verdades absolutas.
O que é a verdade? É algo naturalmente desejável porque somos seres inteligentes. É uma realidade que buscamos e queremos. É um dos três transcendentais que buscamos descobrir e viver: a verdade, a beleza e o bem. E não são só elementos desejáveis, mas também palatáveis e agradáveis, ou seja, dão prazer ao ser humano. A verdade não é algo criado artificialmente, mas é algo que o ser humano busca naturalmente e é a realidade adequada à nossa natureza humana racional. É perfeitamente ajustável à nossa natureza, seja a verdade das coisas, seja a verdade lógica. Não é a realidade que tem que se conformar à minha inteligência e não o contrário. As coisas são como são e não como eu quero que sejam. Cabe a minha inteligência conhecê-las e não distorcê-las a partir das minhas ideias. E hoje o que mais vemos é essa arrogante filosofia imanentista.
A verdade ética também é algo que deveria instigar a todo ser humano. Nem todos se interessam pela metafísica, por exemplo, mas pelas verdades lógicas e éticas e morais precisam despertar o interesse de qualquer pessoa. Alcançar a concordância entre o juízo da minha inteligência e o que tenho diante dos meus olhos. Quero alcançar o ajuste entre a realidade como ela é e a minha inteligência.
Cada um de nós está não só diante de realidades, mas também eu sou uma realidade. Devo ter interesse de me conhecer. Eu sou uma realidade entre realidades. Quando eu me interesso por conhecer a verdade sobre mim, torna-se muito mais forte o meu interesse por outras realidades. Se não me importo comigo mesmo, terei interesse real e pessoal (e não simplesmente útil) pelas pessoas.
Estamos tão acostumados com as coisas artificiais, produzidos industrialmente quanto culturalmente, que nos esquecemos, ou duvidamos, da beleza do que é natural.
Jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, com o título: ‘Prática do Aborto Pós-Nascimento Ganha Defensores no Meio Acadêmico’. Ora, a universidade deveria ser o espaço onde se busca a verdade, mas podem acabar emburrecendo as pessoas. Eis a reportagem completa:

“A ideia de matar recém-nascidos tende a causar repulsa em qualquer sociedade civilizada, mas a crescente aceitação acadêmica do chamado “aborto pós-nascimento” mobiliza entidades pró-vida e defensores dos direitos da infância para o risco de uma relativização radical do direito à vida. Motivados pela tese de que uma pessoa só pode ser considerada como tal quando tem consciência de si, os entusiastas dessa visão consideram o homicídio infantil legítimo e fazem seguidores.
 Embora a base conceitual para esse pensamento venha de autores do século 20, as tentativas mais recentes de legitimar a eliminação de bebês ganharam divulgação internacional em 2012, quando a dupla de filósofos italianos Alberto Giublini e Francesca Minerva, docentes da Universidade de Melbourne, Austrália, publicaram o artigo “After-birth abortion: why should the baby live?” (em português, “Aborto pós-nascimento: por que o bebê deveria viver?”), no Journal of Medical Ethics, um reconhecido periódico científico na área da Bioética. Os pesquisadores partem do princípio de que não há diferenças relevantes entre o feto e o recém-nascido. Portanto, se há aceitação do aborto, não faz sentido criminalizar a eliminação de um bebê, apenas por este ter deixado o útero materno.
 Uma das justificativas seriam as estatísticas de diagnósticos de síndrome de Down. Os pesquisadores lembram que apenas 64% dos casos registrados na Europa são detectados em exames pré-natais, o que resulta no nascimento de centenas de bebês portadores da síndrome. Segundo a lógica da dupla, se o problema fosse detectado com a criança ainda no útero, o aborto comum seria uma opção, mas nos casos em que isso não é possível, os pais deveriam ter o direito de matar a criança logo após o parto.
 Giublini e Minerva, no entanto, deixam claro que não apoiam o infanticídio apenas do que chamam de pessoas “sem potencial de vida saudável”. Para eles, o direito de decidir sobre a vida de uma criança que ainda não tem cons-ciência de si caberia exclusivamente aos pais e aos médicos.
 Um levantamento feito em outubro em universidades americanas dos estados de Minnesota, Flórida e Ohio, mostrou haver em todas as cidades estudantes que concordam com o aborto pós-nascimento.
 “Eles justificam sua posição dizendo que alguém só é plenamente humano quando se torna consciente sobre si mesmo, o que só ocorre por volta dos 4 anos”, relata a uma publicação local Kristina Garza, dirigente de uma das ONGs responsáveis pelo levantamento.

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 Embora preocupante, o resultado não aponta necessariamente uma tendência de apoio popular à ideia. Uma pesquisa feita em 40 países em abril deste ano, pelo Pew Research Center, mostrou forte rejeição ao aborto, em qualquer etapa.

Debate
 Estudo foi motivo de repúdio
As reações ao estudo de Giublini e Minerva foram intensas. Artigos criticando e rebatendo o texto foram publicados em jornais da Europa e dos Estados Unidos, e houve centenas de manifestações na internet, o que levou os autores a publicarem um pedido de desculpas. Eles lamentaram que o debate tenha saído dos círculos acadêmicos e afirmaram que não estavam propondo políticas públicas, mas fazendo apenas “um exercício de pura lógica”.
 Cerca de um ano depois, em maio de 2013, o mesmo periódico publicou uma coletânea com 31 comentários de eticistas de todo o mundo sobre o infanticídio. Alguns deles voltaram a defender a prática como um ato aceitável. O próprio editor da revista, Julian Savulescu, assume seu lado no debate e abre a edição vinculando o assunto a outro tema controverso da bioética. Para ele, a discussão sobre a moralidade do infanticídio “é importante e digna de atenção acadêmica, porque toca em uma área de preocupação que algumas sociedades tiveram a coragem de enfrentar honesta e abertamente: a eutanásia”.

Internautas se revoltam contra campanha de revista pela legalização do aborto
A campanha que a revista TPM lançou em novembro, em defesa da legalização do aborto, têm resultado em diversas reações de repulsa nas redes sociais. Para se antepor a hashtag #precisamos falar sobre aborto, lançada pela publicação, usuários do Twitter e do Facebook lançaram a hashtag #precisamos falar sobre assassinato de bebês e passaram a postar fotos de si mesmos com cartazes exibindo a frase. A página de resposta à TPM, criada no dia 19 de novembro Facebook, e que tem como nome a mesma hashtag, alcançou em uma semana cerca de cinco mil seguidores.
 “Uma coisa é discutir o aborto com base em estatísticas verdadeiras, agora o que a revista está fazendo é mera propaganda do aborto como se ele fosse um tipo de ‘solução’ para a gravidez”, diz Guilherme Ferreira, diretor local da CitizenGo, uma plataforma de petições online. Ele lembra que o aborto é crime no Brasil, em qualquer circunstância, sendo apenas não punido em casos específicos. “O que a revista está fazendo é apologia, não se trata de debate democrático”, diz.
 Para defender a causa, a publicação alega que o aborto é “a questão feminina mais urgente e menos discutida no país”, embora o assunto seja tema de frequentes audiências públicas no Congresso Nacional, foi discutido por juristas e parlamentares na formulação do projeto do novo Código Penal, em 2013, e surgiu como tema em debates transmitidos pela tevê entre candidatos à presidência, nas eleições de outubro.”

Ora, um exercício de pura lógica é que minha inteligência veja as coisas como elas são. Nos choca, mas está no meio acadêmico. Nossos jovens estão expostos a isso todos os dias. As pessoas estão se emburrecendo e enburrecendo os outros. Como algumas vidas não são uteis é valido descartá-las.
Como urge sermos educadores da verdade em um mundo em que o artificial atrai muito mais que o real. A inteligência humana é manipulada para abafar nela o interesse natural pela verdade. Some-se a isso o trabalho dos meios de comunicação para disseminar a mentira e o erro. Mais do que nunca, cabe a cada um de nós acender e manter aceso o desejo pela verdade.