sábado, 28 de abril de 2012

II SIMPÓSIO NACIONAL DAS FAMÍLIAS (1)


Já começamos a divulgar o conteúdo riquíssimo do II Simpósio Nacional das Famílias em Aparecida, no sábado 28 de abril, como parte da IV Peregrinação Nacional das Famílias.
Na abertura, Dom João Carlos Petrini, bispo de Camaçari (BA) e presidente da Comissão Episcopal e Pastoral para a Vida e a Família, ressaltou a beleza do projeto original de Deus: a família fundada sobre o matrimônio. Mas esta verdade está sendo cada vez mais ameaçada. Por isso, mais do que nunca, o empenho que deve ter a Pastoral Familiar para resgatar o valor e a dignidade e a importância crucial da família para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade.

João Paulo II, poucos meses depois de ser eleito papa, disse no México que o nosso Deus não é solidão, mas família, pois ele é paternidade e é amor, portanto a família não é algo “estranho” para Deus. O beato faz um contraponto no Evangelium Vitae entre a cultura da morte, na visão pagã, e a cultura da vida, na ótica cristã. Para o mundo só vale quem tem utilidade ao sistema econômico, ainda que seu bem-estar seja às custas do sacrifício de outros. Mas quem quer imitar Cristo sabe que é prova de amor até mesmo dar a vida, se preciso, pelo bem do outro. Já na visão cristã o amor é mais forte do que a morte. Este é o evangelho da família: a família é uma “boa notícia” para a humanidade. O tema do VII EMF – “Família, trabalho e festa” -- procurará compreender como o trabalho pode ser desvirtuado do seu verdadeiro valor, e como ele pode retirar tempo precioso da convivência familiar. Quantas vezes vemos a educação dos filhos ser terceirizada, trazendo grandes perigos e prejuízos. Precisamos buscar soluções para alcançar o equilíbrio. A outra temática é a festa que deve ter na família seu significado pleno, na celebração cotidiana do amor.

1ª Conferência: “A Família e o Mundo do Trabalho”
(Professor e ecomonista Márcio Pochmann, presidente do IPEA)
1. Evolução da família em relação ao trabalho: A família é sem dúvida unidade constitutiva da sociedade humana. Desde a época de Platão, por exemplo, havia a utopia de construir uma sociedade sem a família. O tempo passou e vemos na prática a falácia deste modelo. Mas também é inegável que a família vem sofrendo mudanças. Podemos falar da família originária nas antigas sociedade agrárias (até 1800), no países da Europa em geral. Ainda existem características deste tipo de família, mas elas ainda existem em alguns lugares. No Brasil, por exemplo, elas predominaram até 1930. São famílias numerosas, que vivem no campo e com uma expectativa de vida baixa.
Viver era essencialmente trabalhar, pois as técnicas agrícolas eram muito precárias. Por isso, era importante ter muitos filhos porque era essencial muita mão de obra para trabalhar. Começava-se a trabalhar muito cedo, até porque não havia acesso amplo à escola, e trabalhava-se até o fim da vida, pois não havia sistema de aposentadoria.
A aprendizagem se dava dentro da unidade familiar e por isso, os mais velhos eram muito bem visto porque detinham a sabedoria. A carga horária de trabalho era do nascer ao pôr-do-sol, de domingo a domingo. O sexo masculino era a força de trabalho e ao sexo masculino cabia a reprodução e cuidado da prole. Na sociedade agrária este era o panorama.
No entanto, desde a primeira revolução industrial (cerca de 1750), começa a surgir a socidade urbana e industrial. Começa a separação entre o tempo de vida e o tempo de trabalho, o local da vida ( a casa) e o local de trabalho. É neste período que começam as famílias menores, de quatro a dois filhos. Já não há necessidade de tantos braços. Agora, é a indústria que organiza o trabalho e as novas técnicas permitem que um único trabalhador opere máquinas que desempenham a mesma função antes feita por muitos.
Cresce a mobilidade das pessoas: os filhos casam e vão morar em outra casa, outra cidade, outro país. Nas cidades, o pai e a mãe começam a trabalhar fora de casa, e o contato temporal entre pais e filhos fica cada vez menor. Os parentes também podem estar geograficamente distante e a escola assume um papel mais decisivo na educação. A expectativa de vida cresce muito com o desenvolvimento médico e sanitário, o que permite mudanças também no trabalho. Há uma postergação na entrada no mercado de trabalho, após a conclusão dos estudos. A escola é um momento de transição entre a vida em família e o mercado de trabalho.
A escola passa a exercer a função de transmitir valores, a preparar as crianças, adolescentes e jovens para o trabalho. Os adultos não estudam sistematicamente, mas entregam-se ao trabalho continuo por 30 ou 35 anos de trabalho, contribuindo para um fundo de pensão e depois têm o direito à aposentadoria. Pela primeira vez, a inatividade é desejável na infância e remunerada no fim da vida, ou seja, o trabalho não é mais um sinônimo da própria vida da pessoa, mas corresponde apenas a um período da vida. A mulher já começa a entrar no mercado de trabalho, mas ainda de forma limitada por seu período de fertilidade.
Agora vivemos uma fase de transição deste último modelo. Agora estamos deixando a ênfase da indústria para a era do serviço, do trabalho imaterial. Já responde a 70% do mercado de trabalho atual no Brasil: não há relação entre o esforço físico e mental e algo tangível, material como alimento ou um carro, uma roupa. Essas mudanças acontecem com o advento das novas tecnologias que nos permitem realizar o trabalho de modo portável. Ao estar dentro de um local de trabalho é possível separar o tempo de vida em família do tempo de trabalho. Atualmente, continuamos trabalhando mesmo em casa, com o uso da internet e do telefone celular.
Uma pesquisa da Inglaterra mostrou que o descanso semanal já não existe mais como antigamente, porque é possível continuar conectado com o trabalho, a escola. Isto esta afetando profundamente a coesão familiar, porque a tecnologia que, teoricamente foi criada para nos facilitar a vida e nos economizar tempo, acaba nos separando. Dentro de casa, cada membro da família está empenhado em suas atividades individuais, não estão conectados entre si. Um pai fica tanto tempo conectado com o mundo inteiro na internet, mas não tempo para conversar e saber os sonhos dos seus filhos.
Cresce o individualismo que gera uma sociedade doente que consome drogas, antidepressivos e bens supérfluos... Essa sociedade que privilegia o “ter” (que chega a degradar terrivelmente o meio ambiente) e não o “ser”. As casas antigamente eram menores e tinham mais pessoas morando. Hoje, 28% das casas de São Paulo tem o dobro do tamanho das casas de antigamente e apenas um morador. Nossas casas não são mais lugar de convivência, mas um depósito para nossos bens de consumo.
Precisamos ter um claro entendimento sobre as transformações que a família vem apresentando diante do tempo, como o conceito de família se alterou com o tempo, inclusive, influenciada pelas relações trabalhistas e vise-versa. Que implicações tem essas mudanças nas famílias? A sociedade do serviço aumenta a expectativa de vida, mas não a qualidade dos relacionamentos. Essa nova sociedade coloca o conhecimento como um dos principais bens. Não só conhecimento como somatório de informações, mas sim como capacidade de interpretar e aplicar competentemente as informações.
Mas ao mesmo tempo vivemos a era das especializações. Para tal, não é mais possível ingressar no mercado de trabalho cedo, porque a exigência, pelo menos, do ensino superior é o piso da atual sociedade. Os melhores cargos serão ocupados por quem se preparou mais: ou seja, os filhos dos ricos. Os filhos dos pobres estão quase que condenados aos empregos mais humildes e mal-remunerados. Como mudar esse cenário? Hoje 40% dos jovens entre 18 e 25 anos está estudando, mas a maioria deles também trabalha. São verdadeiros heróis com extensas jornadas entre trabalho, estudo e trânsito.
Outro aspecto importante implica em que a família associada a esta sociedade do serviço é afetada pela necessidade de estar sempre estudando, se atualizando constantemente por causa da dificuldade de acompanhar as mudanças tecnológicas. Os adultos não são mais vistos como os sábios, os experientes... ao contrario, hoje são os “imigrantes” no mundo das novas tecnologias. Quantas empresas estão criando universidades próprias com disseminação do conhecimento de modo questionável. Preparam para a vida ou só para o lucro da empresa?

2. Mudanças que vem ocorrendo na família brasileira especialmente nesta primeira década do sec. XXI:
No último censo, 47,3% dos casais tem filhos no Brasil, em 2010, em 1989 eram 52%. Casais sem filhos vêm aumentando assim como o número de mães solteiras e o número também de pessoas sozinhas, que já chega a 26%, ou seja, 16 milhões de pessoas. Os dados mostram também que quanto maior a renda, menor a família, mostrando uma desagregação da unidade familiar. E esse é um movimento até pior em outros lugares. O número de pessoas unidas pelo casamento civil e religioso reduziu e cresceu o número de pessoas em união consensual. O divórcio também cresceu ainda que de forma tímida (3,1%) e as separações estão em 14%. Pessoas sem nenhuma união tiveram sua ocorrência dimunída no Brasil, nestes dados de 2010.

3. Os desafios sobre o que poderá representar essas mudanças na família e sua relação com trabalho:
Quais são os maiores desafios hoje?
- Família monoparentais (normalmente mulher ou pessoa idosa) é um fenômeno preocupante no Brasil.
- Crescem as famílias reconstituídas a partir de uniões anteriores e separações.
- Casais que se unem, mas não se casam nem no religioso, nem no civil.
- O casamento cada vez mais tardiamente o que leve os pais a terem que sustentar os jovens por cada vez mais tempo em casa.
- Queda na taxa de fecundidade das famílias (1,9% de filhos por família) o que gerará índices alarmantes de queda na taxa de fecundidade. A previsão é para 207 milhões de brasileiros em 2030, com queda crescente de população caso não se mudem as políticas demográfica e migratória. A composição temporal se alterará com a redução do número de crianças, adolescentes e jovens. Vão sobrar escolas, algumas cidades vão minguar e o sistema previdenciário pode colapsar, pois o número de pessoas trabalhando será incapaz de sustentar uma multidão de aposentados. Nossas cidades não está preparada para a mobilidade das pessoas idosas. Como financiar este envelhecimento? De onde virão os recursos? Se as famílias são menores quem apoiará os idosos?
- As mulheres da raça branca diminuem ainda mais o número de filhos. Os não brancos tem a taxa de fecundidade mais elevada. Em 2030 a previsão é que 70% do Brasil seja não branco. E se, ainda hoje, há preconceito velado e desigualdade por causa da cor da pele, imagine como poderá ficar a exclusão no futuro?

Poderemos chegar em 2014 como a quarta economia do mundo, mas de que adianta isso se o povo não viver bem?! Superar a miséria é um grande desafio, mas precisamos ver que uma sociedade decente e fraterna tem o seu centro na unidade familiar. Neste sentido é fundamental a criação de políticas públicas pró-família. O trabalho modifica a família, mas a família tem poder ainda maior de mudar o mundo do trabalho. O Brasil não é mais prisioneiro da ditadura, nem no FMI.. nada nos impede de darmos mais esse passo decisivo. Não tenhamos medo de ousar e anunciar, lutar concretamente pela família, maior bem da sociedade, pilar do bem-estar.

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