A FÉ VISTA
A fé precisa ser cultivada na atitude de sensibilizarmos mais a alma. Num retiro temos oportunidade de ouvir a pregação, mas de fazer com que essas palavras ressoem em nós. O papa emérito Bento XVI nos lembrava, na carta Porta Fidei que mencionamos antes, que precisamos fazer brilhar a luz da fé.
Vejamos uns certos personagens dos Evangelhos: os cegos. Todos os que tiveram uma fé que brilhava diante dos outros, obtiveram um grande milagre. O cego de Jericó gritava tanto que chegava a incomodar: “Filho de Davi, tende piedade de mim!”. Diante da insistência, Jesus pergunta: “O que queres que eu te faça?”. Disse-lhe: “Senhor, que eu veja!”. Jesus nem sequer o tocou, só respondeu-lhe: “Veja.”. Num outro episódio, Jesus faz uma lama para colocar nos olhos de um outro cego, o que lhe foi como que um “colírio da graça”. A outro, mandou lavar-se na piscina de Siloé...
Esses cegos são um exemplo pela humanidade da fé que se transforma em visão. A fé nasce da escuta, assim é que fomos crescendo na fé: pela instrução que começou na catequese e foi-se amadurecendo. Fé é escuta, mas também é visão. É preciso ver!
O papa Francisco lembrou em Aparecida que pescadores levaram para casa um mistério. O povo tem sempre espaço para albergar o mistério. Talvez nós tenhamos reduzido o mistério a uma explicação racional, mas para o povo simples, ele é guardado no coração. A fé não vai contra a razão, nem a razão contra a fé, mas a fé não pode ficar racionalizada. A fé nos introduz no espaço do mistério. Estamos o tempo todo envolvidos no mistério. A fé se vê com o coração, com o amor.
Quando ainda era estudante de medicina, ouvi um catedrático dizer: “Nunca desconsiderem o que uma mãe diz do seu filho, porque o seu conhecimento vem do amor!”. Até como bispo, devo levar em conta ao dar um conselho sobre o que a mãe diz daquele jovem. A Deus nós conhecemos pela razão, mas também devemos conhecê-lo pelo coração.
Os pescadores não desprezam o mistério encontrado no rio. Não jogam fora os pedaços. É como um mosaico que vamos aos poucos montando. Nós queremos ver muito rápido a totalidade. Pelo contrário, Deus se faz ver pouco a pouco. Podemos questionar: "Eu tenho fé, rezo, peço, estudo, faço tudo certinho, e... a resposta não vem..". É porque queremos ver tudo muito rápido. Deus, ao contrário, se revela pouco a pouco. Não podemos ser precipitados na fé. Como aquele cego quando Jesus colocou lama nos seus olhos: primeiramente, ele via as pessoas como árvores. Só depois, foi totalmente curado. O poder de Jesus não estava menor a ponto de não conseguir curá-lo de uma vez por todas... ele queria nos dar uma lição preciosa.
O papa, numa ocasião informal quando estava aqui no Rio, e foi questionado sobre diversos desafios disse que não sabia dar resposta a todos os problemas do mundo, mas de uma coisa tinha certeza: de que o caminho é pelo coração. E, ele próprio coloca o coração em tudo o que faz e conquista as pessoas pelo coração.
“Senhor, que eu veja!”: com a sua visão de mundo e não com a minha. Eu às vezes vejo uma pessoa como difícil e problemática, mas... e Deus? Como a vê? Eu vejo esta situação como impossível? E Deus, como a vê?
Papa Bento XVI dizia que se acredita com o coração: o coração indica que o primeiro ato pelo qual se chega à fé é um dom de Deus. “Senhor, aumenta a minha fé!”, peçamos isso também.”
Maria Madalena, no relato da ressurreição, disse aos apóstolos: “Eu vi o Senhor!”. Pedro entrou no sepulcro e João, diz o Evangelho: “Viu e acreditou.”. Viu o que? O sepulcro vazio. Ele não viu Jesus Glorioso, mas, porque tinha escutado, viu o vazio, viu com os olhos da fé e acreditou. Já Tomé... exigiu provas. É como fazemos muitas vezes. E Jesus se submeteu à incredulidade de Tomé, que viu e respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” E Jesus completa: “Bem-aventurados os que crerão sem terem visto.”.
Nunca deixemos de dizer nem um dia da nossa vida: “Eu creio, mas aumenta a minha fé”. Que eu veja a sua bondade, onipotência, misericórdia, sabedoria... que vão se revelando pouco a pouco.
O papa Francisco, comentando ainda as romarias de pessoas que vão a Aparecida para verem uma imagem e sem de lá convencidas que há uma mãe que vela e intercede por eles. Quem acorre a um santuário com a alma desarmada, volta transformado, ainda que não consiga nenhum milagre.
Há muito o que aprender na atitude dos pescadores. Eles nos ensinam que devemos viver em uma Igreja que dá espaço ao mistério de Deus. Deus faz-se levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de ser guardado em sua casa, em seu coração. Os pescadores chamam seus vizinhos para verem o mistério da Virgem. Não podemos esquecer este mistério de Aparecida. Viver uma fé com o coração e foram irradiando a fé. Precisamos ter uma fé cordial, ou seja, irradiada no coração. A fé cultivada pelo estudo é muito boa, mas não basta. Se tudo começa a ficar muito natural, precisamos nos lembrar que é algo sobrenatural.
A fé precisa ser vivida e não proclamada, celebrada e rezada. Esta fé vivida é uma fé que nos faz ter uma vontade determinada de buscar sem cansaço a intimidade com Deus. Não podemos nos relacionar com Deus a distância. Deus não é um ser longínquo, nem se preocupa com a humanidade em geral, mas quer ter um relacionamento pessoal comigo!
Na Lumem Fidei lemos:
“Como se chega a esta síntese entre o ouvir e o ver? A partir da pessoa concreta de Jesus, que Se vê e escuta. Ele é a Palavra que Se fez carne e cuja glória contemplámos (cf. Jo 1, 14). A luz da fé é a luz de um Rosto, no qual se vê o Pai. De facto, no quarto Evangelho, a verdade que a fé apreende é a manifestação do Pai no Filho, na sua carne e nas suas obras terrenas; verdade essa, que se pode definir como a « vida luminosa » de Jesus. Isto significa que o conhecimento da fé não nos convida a olhar uma verdade puramente interior; a verdade que a fé nos descerra é uma verdade centrada no encontro com Cristo, na contemplação da sua vida, na percepção da sua presença.”
Se não contemplamos começamos a ver só os problemas e começamos a não mais acreditar nem na capacidade de conversão de uma pessoa e isso é muito triste... Jesus não foi capaz de converter um Saulo que respirava o ódio pelo Cristianismo?! Passamos a combater com as pessoas em vez de discordar das suas ideias erradas. Odiar o pecado, mas amar profundamente o pecador.
Na organização da JMJ, vimos muitos exemplos. Quantas críticas surgiram de dentro da própria Igreja, porque artistas seculares forma convidados para os atos centrais. O que não sabe nos bastidores são as conversões espantosas que aconteceram!
Um caminho precioso para a fé é a leitura diária dos Evangelhos, como um caminho mesmo para nos encontrarmos, nos aproximarmos do Cristo. O próprio cristo vai nos transformando nele e nos dando a luz que irradia do seu coração. João Paulo II, beato e em breve santo, citado na luz da fé, diz:
“O Beato João Paulo II, na sua carta encíclica Fides et Ratio, mostrou como fé e razão se reforçam mutuamente. Depois de ter encontrado a luz plena do amor de Jesus, descobrimos que havia, em todo o nosso amor, um lampejo daquela luz e compreendemos qual era a sua meta derradeira; e, simultaneamente, o facto de o nosso amor trazer em si uma luz ajuda-nos a ver o caminho do amor rumo à plenitude da doação total do Filho de Deus por nós. Neste movimento circular, a luz da fé ilumina todas as nossas relações humanas, que podem ser vividas em união com o amor e a ternura de Cristo.”
A luz de Cristo nos faz ver que se acreditamos em Deus, devemos acreditar nas pessoas. Se confiamos em Deus, devemos confiar nas pessoas. As pessoas mudam, assim como nós estamos mudando. Estamos todos em processo de conversão. Se nós podemos melhorar, devemos acreditar que as outras pessoas podem mudar também. Não nos tornemos descrentes, porque a descrença leva a uma timidez no nosso apostolado. Não seu a verdade não seja convincente, mas porque julgamos com nossa parca inteligência que certas pessoas não conseguirão acreditar na Verdade.
No Encontro com os voluntários, o papa Francisco confidenciou:
“Nunca me esquecerei daquele 21 de setembro – eu tinha 17 anos – quando, depois de passar pela igreja de San José de Flores para me confessar, senti pela primeira vez que Deus me chamava. Não tenham medo daquilo que Deus lhes pede! Vale a pena dizer “sim” a Deus. N’Ele está a alegria!
Queridos jovens, talvez algum de vocês ainda não veja claramente o que fazer da sua vida. Peça isso ao Senhor; Ele lhe fará entender o caminho. Como fez o jovem Samuel, que ouviu dentro de si a voz insistente do Senhor que o chamava, e não entendia, não sabia o que dizer, mas, com a ajuda do sacerdote Eli, no final respondeu àquela voz: Senhor, fala eu escuto (cf. 1Sm 3,1-10).”
Depois de confessar-se sentiu o chamado de Deus para o sacerdócio e hoje é o papa! Imagine se ele não tivesse seguido o seu coração neste dia...
Há uma pergunta que deveríamos fazer com muita frequência: POR QUE NÃO? Por que não me esforço mais para corresponder à vontade de Deus? Por que não me entrego de corpo e lama ao projeto que deus tem para mim? Por que não falar com este meu amigo sobre este tema tão importante? Por que não convidar aquela pessoa para r se confessar? Por que não dar um livro de formação espiritual para uma pessoa?
Isto é uma tradução da fé escutada e da fé vista. Nos faz questionar um pouco a nossa timidez, as nossas dúvidas, as nossas reservas, e uma palavra forte que precisamos empregar a nós mesmos: a nossa covardia!
Outra madrugada, me liga um jovem em meio a uma crise matrimonial grave. Eu sugeri que ele tirasse uma semana de férias para passear só com a esposa. O jovem disse que seria impossível, porque é um advogado importante na sua empresa e que não poderia perder um caso milionário. Eu respondi: “Você é um covarde!”. Ele me respondeu que jamais poderia ser considerado um covarde porque interpelava promotores agressivos com coragem de leão. Eu repeti: “Você é um covarde, porque não tem coragem para pedir uma semana de férias ao seu chefe para salvar o seu casamento, a sua própria vocação!”.
Jesus pediu para que os apóstolos fossem e ensinassem a todas as nações. É a mesma coragem que faz um homem de 76, já prestes a chegar a sua renúncia, que aceitar ser o papa. A certeza de que Cristo nos envia e vai conosco na missão deve-nos levar a ver, a enxergar seu poder em nossas vidas. “Senhor, aumenta a minha fé.”, como renovastes a fé dos discípulos a caminho de Emaús. “Fica conosco, Senhor.”: foi o pedido que brotou do coração que ardia. Escutar e ver, ver e escutar e assim vamos renovando a nossa fé de um modo pessoal, como quando rezamos o Credo: “Creio...”, na primeira pessoa do singular. A fé é a força da nossa inteligência e do nosso coração.
4ª MEDITAÇÃO
A MATERNIDADE ESPIRITUAL DE NOSSA SENHORA
Ainda no seu discurso em Aparecida, o papa Francisco nos diz:
“... quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado. Como dizia Bento XVI, aqui neste Santuário: «O discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro.” (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida [13 de maio de 2007]: Insegnamenti III/1 [2007], 861).
Para que não nos deixemos abater pelo mal e pelas dificuldade e saibamos que Deus sempre nos reserva o melhor, o papa numa simples frase já nos dá uma luz da fé e nos abre uma porta: temos uma mãe, que sempre intercede pela vida dos seus filhos, como a Rainha Ester que intercede pelo seu povo, pela vida do seu povo. Assim, Maria é a esperança para nós. Assumiu sua maternidade espiritual num momento doloroso: “Mulher, eis aí teu filho!” (Jo 19, 26b). E essa maternidade da humanidade inteira só é possível porque estava cheia do Espírito Santo, o mesmo Espírito que a fez mãe sem conhecer homem. A tradição nos ensina que ao dar à luz Jesus, Maria não teve dores, mas ao nos gerar, esta maternidade, sim, foi no meio da dor. Deus quis nos redimir pelo amor, um amor que passou pela dor. Maria trocou um Filho que era o próprio Deus, para assumir os filhos que matavam seu próprio e único Filho.
Na Lumem Fidei, papa Francisco nos diz:
“Quando a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver, como advertia o poeta Thomas Sterls Eliot: « Precisais porventura que se vos diga que até aqueles modestos sucessos / que vos permitem ser orgulhosos de uma sociedade educada / dificilmente sobreviveriam à fé, a que devem o seu significado? » Se tiramos a fé em Deus das nossas cidades, enfraquecer-se-á a confiança entre nós, apenas o medo nos manterá unidos, e a estabilidade ficará ameaçada. Afirma a Carta aos Hebreus: « Deus não Se envergonha de ser chamado o "seu Deus", porque preparou para eles uma cidade » (Heb 11, 16). A expressão «não se envergonha» tem conotado um reconhecimento público: pretende-se afirmar que Deus, com o seu agir concreto, confessa publicamente a sua presença entre nós, o seu desejo de tornar firmes as relações entre os homens. Porventura vamos ser nós a envergonhar-nos de chamar a Deus «o nosso Deus»? Seremos por acaso nós a recusar-nos a confessá-Lo como tal na nossa vida pública, a propor a grandeza da vida comum que Ele torna possível? A fé ilumina a vida social: possui uma luz criadora para cada momento novo da história, porque coloca todos os acontecimentos em relação com a origem e o destino de tudo no Pai que nos ama.”.
Nós somos chamados a levar Deus à vida social, política e cultural. A sermos presença assim como Maria era presença no meio dos apóstolos por época do Pentecostes e das primeiras comunidades. No final da Encíclica, o papa faz uma linda oração:
A Maria, Mãe da Igreja e Mãe da nossa fé, nos dirigimos, rezando-Lhe:
Vamos também nós nos entregarmos àquela que pode convencer Jesus a transformar água em vinho com uma única petição. Deus criou o mundo sozinho, mas para salvá-lo precisou da ajuda de uma pessoa como Maria, que se abriu com sua fé de cabeça e de coração. Maria não é Deus, mas é um caminho cordial para chegarmos a Deus. Deveríamos desconfiar como é possível chegar a Deus com uma ligação direta, sem mediadores. Por isso, se multiplicam as religiões utilitaristas em cada esquina. Deus veio por uma pessoa e quando deixou o mundo nos deixou com uma pessoa: Maria.
Sua maternidade espiritual deve ser imitada por nós. Ela, como todas as mães nos acolhe antes no coração do que no corpo. Ser mãe não é um fenômeno biológico: antes de ter o filho no corpo é preciso tê-lo no coração. O filho já nasce no coração antes de ser concebido no seio. Nunca devemos deixar de ir ou voltar para Jesus, deixando de lado o amor filial a Nossa Senhora. Maria não delegam esta maternidade. Maria não tem baby sitter. Às vezes as mães delegam sua tarefa educativa e amorosa às tecnologias, às babás, às escolas. Maria vive plenamente a experiência de ser mãe.
E como é sua maternidade? Ela dá o melhor de si. No folheto da missa de hoje, rezamos a primeira oração dirigida de forma coletiva à Maria. Ela é do século II: “À vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita!”.
Outra linda oração é o Recordare, na qual pedimos que Maria fale bem de nós para Deus. Que tranquilidade nos dá saber que tem alguém falando bem de nós... Ela é nossa advogada de defesa. Ad-vocatus: aquele que é chamado para fazer a defesa. A vocação de Maria é dar o melhor de si para nos proteger. Maria é mãe porque Cristo lhe confiou a Igreja. A nossa mãe nos ensina a viver o que o seu Filho viveu. Ajuda-nos a nos identificarmos com o Cristo que não veio para ser servido, mas para servir, nem veio para os sãos, mas para os pecadores. Nossa Senhora nos impele a vencermos a barreira do individualismo, a vivermos para os outros.
O Papa não está mudando a doutrina, mas está dando ênfase ao que é o mais fundamental da doutrina católica. Por isso, é que ele fala tanto que precisamos mudar o nosso jeito pastoral para mostrarmos o rosto da Igreja como mãe. Temos que cuidar das pessoas como feridos de guerra. Não podemos impor o oitavo sacramento da “burocracia”, do formalismo que impede as pessoas de se aproximarem de Deus. Uma mãe não se guia por regras, mas por amor.
Há um hino também dos primeiros séculos, Stela Maris que vale a pena recordar:
Essas orações e devoções devem deixar em nós um sulco, um rastro profundo de que, quem vai com Maria, vai na direção certa, pois não existem um coração mais transbordante de fé, de esperança e de amor. E pessoas assim se tornam modelos e transformadores da História. Maria nos ensina as coisas mais tocantes. Lembremos da devoção do papa, olhando, contemplando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, seu semblante se transformava. Devemos perguntar-nos constantemente se queremos ser bons filhos, como Jesus foi um bom Filho para sua mãe, Maria. Depois do amor filial ao Pai, vinha o amor filial de Jesus por sua mãe. Deus se deixou proteger e ensinar.
“... quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado. Como dizia Bento XVI, aqui neste Santuário: «O discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro.” (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida [13 de maio de 2007]: Insegnamenti III/1 [2007], 861).
Para que não nos deixemos abater pelo mal e pelas dificuldade e saibamos que Deus sempre nos reserva o melhor, o papa numa simples frase já nos dá uma luz da fé e nos abre uma porta: temos uma mãe, que sempre intercede pela vida dos seus filhos, como a Rainha Ester que intercede pelo seu povo, pela vida do seu povo. Assim, Maria é a esperança para nós. Assumiu sua maternidade espiritual num momento doloroso: “Mulher, eis aí teu filho!” (Jo 19, 26b). E essa maternidade da humanidade inteira só é possível porque estava cheia do Espírito Santo, o mesmo Espírito que a fez mãe sem conhecer homem. A tradição nos ensina que ao dar à luz Jesus, Maria não teve dores, mas ao nos gerar, esta maternidade, sim, foi no meio da dor. Deus quis nos redimir pelo amor, um amor que passou pela dor. Maria trocou um Filho que era o próprio Deus, para assumir os filhos que matavam seu próprio e único Filho.
Na Lumem Fidei, papa Francisco nos diz:
“Quando a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver, como advertia o poeta Thomas Sterls Eliot: « Precisais porventura que se vos diga que até aqueles modestos sucessos / que vos permitem ser orgulhosos de uma sociedade educada / dificilmente sobreviveriam à fé, a que devem o seu significado? » Se tiramos a fé em Deus das nossas cidades, enfraquecer-se-á a confiança entre nós, apenas o medo nos manterá unidos, e a estabilidade ficará ameaçada. Afirma a Carta aos Hebreus: « Deus não Se envergonha de ser chamado o "seu Deus", porque preparou para eles uma cidade » (Heb 11, 16). A expressão «não se envergonha» tem conotado um reconhecimento público: pretende-se afirmar que Deus, com o seu agir concreto, confessa publicamente a sua presença entre nós, o seu desejo de tornar firmes as relações entre os homens. Porventura vamos ser nós a envergonhar-nos de chamar a Deus «o nosso Deus»? Seremos por acaso nós a recusar-nos a confessá-Lo como tal na nossa vida pública, a propor a grandeza da vida comum que Ele torna possível? A fé ilumina a vida social: possui uma luz criadora para cada momento novo da história, porque coloca todos os acontecimentos em relação com a origem e o destino de tudo no Pai que nos ama.”.
Nós somos chamados a levar Deus à vida social, política e cultural. A sermos presença assim como Maria era presença no meio dos apóstolos por época do Pentecostes e das primeiras comunidades. No final da Encíclica, o papa faz uma linda oração:
A Maria, Mãe da Igreja e Mãe da nossa fé, nos dirigimos, rezando-Lhe:
Ajudai, ó Mãe, a nossa fé.
Abri o nosso ouvido à Palavra,
para reconhecermos a voz de Deus e a sua chamada.
Despertai em nós o desejo de seguir os seus passos,
saindo da nossa terra e acolhendo a sua promessa.
Ajudai-nos a deixar-nos tocar pelo seu amor,
para podermos tocá-Lo com a fé.
Ajudai-nos a confiar-nos plenamente a Ele,
a crer no seu amor,
sobretudo nos momentos de tribulação e cruz,
quando a nossa fé é chamada a amadurecer.
Semeai, na nossa fé, a alegria do Ressuscitado.
Recordai-nos que quem crê nunca está sozinho.
Ensinai-nos a ver com os olhos de Jesus,
para que Ele seja luz no nosso caminho.
E que esta luz da fé cresça sempre em nós
até chegar aquele dia sem ocaso
que é o próprio Cristo, vosso Filho, nosso Senhor.
Vamos também nós nos entregarmos àquela que pode convencer Jesus a transformar água em vinho com uma única petição. Deus criou o mundo sozinho, mas para salvá-lo precisou da ajuda de uma pessoa como Maria, que se abriu com sua fé de cabeça e de coração. Maria não é Deus, mas é um caminho cordial para chegarmos a Deus. Deveríamos desconfiar como é possível chegar a Deus com uma ligação direta, sem mediadores. Por isso, se multiplicam as religiões utilitaristas em cada esquina. Deus veio por uma pessoa e quando deixou o mundo nos deixou com uma pessoa: Maria.
Sua maternidade espiritual deve ser imitada por nós. Ela, como todas as mães nos acolhe antes no coração do que no corpo. Ser mãe não é um fenômeno biológico: antes de ter o filho no corpo é preciso tê-lo no coração. O filho já nasce no coração antes de ser concebido no seio. Nunca devemos deixar de ir ou voltar para Jesus, deixando de lado o amor filial a Nossa Senhora. Maria não delegam esta maternidade. Maria não tem baby sitter. Às vezes as mães delegam sua tarefa educativa e amorosa às tecnologias, às babás, às escolas. Maria vive plenamente a experiência de ser mãe.
E como é sua maternidade? Ela dá o melhor de si. No folheto da missa de hoje, rezamos a primeira oração dirigida de forma coletiva à Maria. Ela é do século II: “À vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita!”.
Outra linda oração é o Recordare, na qual pedimos que Maria fale bem de nós para Deus. Que tranquilidade nos dá saber que tem alguém falando bem de nós... Ela é nossa advogada de defesa. Ad-vocatus: aquele que é chamado para fazer a defesa. A vocação de Maria é dar o melhor de si para nos proteger. Maria é mãe porque Cristo lhe confiou a Igreja. A nossa mãe nos ensina a viver o que o seu Filho viveu. Ajuda-nos a nos identificarmos com o Cristo que não veio para ser servido, mas para servir, nem veio para os sãos, mas para os pecadores. Nossa Senhora nos impele a vencermos a barreira do individualismo, a vivermos para os outros.
O Papa não está mudando a doutrina, mas está dando ênfase ao que é o mais fundamental da doutrina católica. Por isso, é que ele fala tanto que precisamos mudar o nosso jeito pastoral para mostrarmos o rosto da Igreja como mãe. Temos que cuidar das pessoas como feridos de guerra. Não podemos impor o oitavo sacramento da “burocracia”, do formalismo que impede as pessoas de se aproximarem de Deus. Uma mãe não se guia por regras, mas por amor.
Há um hino também dos primeiros séculos, Stela Maris que vale a pena recordar:
Ave, do mar Estrela,
Bendita Mãe de Deus,
Fecunda e sempre Virgem,
Portal feliz dos Céus.
Ouvindo aquele Ave
Do anjo Gabriel,
Mudando
de Eva o nome,
Trazei-nos Paz do Céu.
Ao cego iluminai,
Ao réu livrai também;
De todo mal guardai-nos
E dai-nos todo o bem.
Mostrai ser nossa Mãe,
Levando a nossa voz
A Quem, por nós nascido,
Dignou-se vir de vós.
Suave mais que todas,
Ó Virgem sem igual,
Fazei-nos mansos, puros,
Guardai-nos contra o mal.
Oh!, dai-nos vida pura
Guiai-nos para a Luz,
E um dia, ao vosso lado,
Possamos ver Jesus.
Louvor a Deus, o Pai,
E ao Filho, Sumo Bem,
Com Seu Divino Espírito
Agora e sempre, Amém.
Essas orações e devoções devem deixar em nós um sulco, um rastro profundo de que, quem vai com Maria, vai na direção certa, pois não existem um coração mais transbordante de fé, de esperança e de amor. E pessoas assim se tornam modelos e transformadores da História. Maria nos ensina as coisas mais tocantes. Lembremos da devoção do papa, olhando, contemplando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, seu semblante se transformava. Devemos perguntar-nos constantemente se queremos ser bons filhos, como Jesus foi um bom Filho para sua mãe, Maria. Depois do amor filial ao Pai, vinha o amor filial de Jesus por sua mãe. Deus se deixou proteger e ensinar.
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