quarta-feira, 27 de junho de 2012

RETIRO DA PASTORAL FAMILIAR (3)

2ª meditação:
A fé e a caridade

Diz a Porta Fidei, 8: “Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver.”
A fé implica um testemunho e um compromisso públicos. Precisamos nos comprometer com o mundo em que vivemos, não podemos dar as costas a ele. Temos que nos comprometer, graças à fé, com o mundo e amá-lo profundamente.
Na Porta Fidei, o Papa fala do Concílio Vaticano II, do Catecismo. Fala dos conflitos entre fé e ciência, diálogo do qual não podemos fugir ou abrir mão, especialmente nas áreas da educação, direito e medicina. Só para citarmos um exemplo, professamos raiz da dignidade do ser humano não está numa Declaração da ONU, mas no fato de sermos filhos de Deus e de crermos que o Filho de Deus se encarnou, assumiu nossa humanidade.
A fé sem a caridade não dá fruto e a caridade sem a fé é mero sentimentalismo. Podemos acabar nos inclinado a certas posições que são contrárias ao plano divino. Como podemos testemunhar a fé com a caridade. Primeiro: vivendo nossa autenticidade cristã. Não precisamos ser perfeitos da noite para o dia. Não há santos na terra. Só seremos santos no último instante da nossa vida, quando Deus assim o reconhecer. Mas devemos ser autênticos, ou seja, precisamos estar convencidos do nosso valor. Não temos que ser perfeitos, precisamos ser autênticos. Não temos a Verdade, porque a Verdade não é uma fórmula, é uma pessoa: por isso, queremos conhecer e mostrar aos outros essa pessoa que é a Verdade, o Caminho e a Vida: Jesus.
O Papa João Paulo II, nomeou Santa Edith Stein como padroeira da Europa para os tempos modernos. Grande filósofa, conta que começou a perder sua fé judaica, nas celebrações do Pessach, quando via seus irmãos mais velhos fazendo um mero teatro, porque não acreditavam naquilo que celebravam. Não havia testemunho autêntico. Não devemos ser perfeitos, no sentido de sermos impecáveis. Entendam bem: precisamos ser autênticos e coerentes, vivendo segundo aquilo que cremos. O cristão, para ser uma boa testemunha do Evangelho, não pode ser simplesmente uma pessoa piedosa. O que atrai para a fé é sermos serenos, sermos capazes de acolher a graça batismal e vivê-la, mesmo em meio aos abalos que a vida nos traz. Hoje, muitos se voltam para o Cristianismo fugindo da ansiedade, da angústia... porque se espelham em cristãos que dão testemunho de serenidade e confiança em Deus. Jesus dizia, em Mateus, cap. 6: “Não vos preocupeis...”; “A paz esteja convosco...”, em João, cap. 20. Tantos procuram a paz pelas drogas ou por outros meios... jamais a encontrarão... Seria tão bom se pudessem encontrar a paz que vem Deus através de pessoas de fé.
Um grande ato de fé é confiar nas pessoas. Não por elas mesmas, mas porque Deus confia em todos os seus filhos. Não devemos ser reservados neste sentido. A história da decadência de cada pessoa tem sua origem na perda do sentido do seu próprio valor. Não que isso seja conseqüência de um raciocínio lógico, mas quando percebem que os outros não confiam mais nela. Jesus, em João 8, confia na mulher adúltera, e exige dela, na dose certa: “Vá e não peques mais.”. Devemos começar exigindo de forma gradual, equilibrada, de nós mesmos. E depois dos outros. Exigindo na medida certa. Há muitas pessoas que se animam a ser melhores quando se sentem como confiáveis e exigidas. Isso porque confiar e exigir são sinais de amor.
Uma pessoa querida é admirada e a confiança exige de nós amor. A palavra “admirar” serve bem para explicarmos melhor. A palavra “ad” significa “para fora” e “mirar” é olhar. “Não julgueis e não sereis julgados.” – Jesus nos convida a admirarmos o outro, olharmos para fora, não de dentro de nós mesmos e das nossas “traves”, mas olhando com os olhos de Cristo, que só vê o bom, o belo, o valor do ser humano. Com atitudes de admiração ao ser humano, estaremos testemunhando nossa fé, revelando Deus aos demais.
Karol Wojtyila, ainda bispo recém-ordenado, participou do CVII, colocando à disposição sua experiência pastoral e teológica. Ele criticou profundamente o projeto da Gaudium et Spes e chegou a dizer que sua primeira redação deveria “ser jogada no lixo”. Destacou que era um texto em que a Igreja ensinava ao mundo, colocando-se por assim dizer, por cima do mundo, e exigindo que ele lhe obedecesse. O então jovem bispo afirmou que a igreja não tem que simplesmente instruir o mundo, mas buscar um modo de expor a fé que não deve convertesse nunca em onbstáculo para que os outros descobrissem Cristo.
Dialogar não é diluir a Verdade, mas é aprender de todos, é ensinar, aprendendo. Tirar o bem até mesmo do mal. O Bem Supremo, sem mistura de mal, só Deus. O mal, ao contrário, sempre existirá com um pouco do bem indevido. As pessoas erram porque acham que estão fazendo algo de bom, mas vão por caminhos errados. Todos nós, por exemplo, temos dignidade e valor, e temos. por exemplo, queremos descansar, e é um direito que temos, mas se toca o telefone pedimos para a empregada dizer que não estamos, ainda, assim, isso será uma mentira. O bem legítimo quer ser obtido por um "bem indevido", e isso é o mal. A Igreja precisa ajudar as pessoas a enxergar o bem que procuram.
João Paulo II foi em muitos países africanos em que a poligamia era um estilo de vida. Ele os acolhia, mas falava do amor humano, dentro da doutrina cristã. Não condenava a poligamia, mas também não deixava de falar a Verdade. Ia dando passos de acordo com as realidades. É a “pastoral da gradualidade”, entendendo o bem que a pessoa é capaz de entender e viver naquele momento da sua vida e história. Ao viver a fé, vamos ao essencial.
Não podemos insistir naquilo que tira as pessoas do caminho da fé. Por exemplo, o sexto mandamento é só o sexto. A essência está no primeiro, no segundo... nos cinco primeiros... não se pode viver a castidade se não se sabe amar! O grande problema dos jovens hoje, são problemas de relacionamentos perdidos, mal-resolvidos. Na “pastoral da gradualidade”, o amor é a essência de tudo, no final das contas! Se reduzirmos a moral cristã ao sexto mandamento, jamais ajudaremos as pessoas a viverem a moral cristã de forma autêntica.
Em 2006, o Papa respondeu a um jornalista no V Encontro Mundial das Famílias em Valência que questionou que ele não havia falado sobre aborto, eutanásia e “casamento gay”. Ao que ele respondeu que tinha idéias positivas para propor, que era necessário dizer o que nós queremos e não o que não queremos. Não podemos mais perder tempo proibindo e acusando. Hoje em dia, confunde-se negativismo com omissão. Muitos não percebem que precisamos testemunhar pelo positivo, indo ao essencial. Perceber o erro, será uma conseqüência da descoberta da Verdade. Esse é também uma grande prova de caridade.
É preciso dar também este testemunho de fé também de forma falada. Não podemos deixar de lado a linguagem. E a linguagem adequada é o diálogo sincero, uma linguagem existencial. Deus é o comunicador por excelência e nós somos convidados a sermos comunicadores autênticos da Verdade e do amor. É preciso comunicar de forma clara o que se “ganha” com a fé. O que aconteceu de bom na minha vida a partir da minha conversão? Não será só uma fé falada, mas uma fé vivida. As pessoas não querem saber como proclamamos a nossa fé, mas como a vivemos. A maior homilia de um padre é o seu modo de ser. Não basta sermos professores de religião, precisamos falar de uma fé vivida e encarnada.

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