quarta-feira, 14 de abril de 2010

I Encontro Nacional Sobre a Espiritualidade do Acolhimento e da Adoção (2)


O Abandono: Quarta Emergência Humanitária (Marco Griffini - fundador e presidente da Ai. Bi.)


Em todo o mundo, a ONU estima cerca de 168 milhões de OFC (Out of Family Children), ou seja, crianças que estão fora da convivência familiar. Quatro milhões no Congo, mais de dois milhões na Rússia, 750 mil nos Estados Unidos... os dados são aproximados e podem ser bem maiores.
Assim, o abandono está sendo considerado a quarta emergência humanitária, mas que tem diferenças das outras três emergências:

1ª a fome
2ª as doenças
3ª a guerra

Porque o abandono é tão diferente dessas três?

(1) Fome, doença e guerra matam. Têm grande visibilidade e repercussão porqu levam as pessoas à morte. Mas... e no caso do abandono? As crianças e adolescentes estão vivos. Têm comida, roupa, frequentam a escola... sobrevivem por fora, mas a experiência de ser abandonado golpeia de morte aquilo que é mais próprio do ser humano: sua capacidade de amar. Mata por dentro! Milhões de crianças no mundo correm o risco de jamais saberem o que é amor, ou se jamais sentirem o que que ser amado por alguém, de jammais descobrirem o que é a feliidade e o sentido da vida.
(2) A emergência do abandono se esconde atràs de alguns mitos que o tornam ireconhecível:
1º - O mito da assistência: dar teto e comida a uma criança ou adolescente abandonado não acaba com sua condição de abandono porque não substitui o amor e a convivência com um pai e uma mãe. A assistência em si é boa, mas não cumpre o direito que a criança tem à convivência familiar.
2º - O mito da família de origem: o mito da ligação sanguínea parece anular o direito à família, coo se o filho fosse uma propriedade dos pais biológicos que podem entregá-lo ao Estado para que dele cuide sem dele abrir mão. Quantas vezes é forçada uma convivência familiar a todo o custo e a criança ou adolescente acaba levando o peso dos problemas dos pais (drogas, álcool, violência, prisão, etc.). Surge a questão: até que ponto é eticamente correto manter à disposição dos pais biológicos a vida de um menor se eles não podem acolhê-lo devidamente? O que prevalece: o interesse dos pais ou o direito da criança?
3º - o mito do país de origem: como é difícil as fronteiras se abrirem à adoção... parece que vale mais ter filhos abandonados vivendo em sua terra natal, com sua língua e cultura do que terem a chance de uma vida nova em outro país. A Ai. Bi. como organização interenacional enfrenta muito esse preconceito.
(3) O abandono produz consequências irreversíveis: atraso psicomotor, baixíssimo grau de autoestima, sensação de vazio... E é contagioso: quem foi abandonado tende a abandonar seu filhos no futuro.
(4) O abandono cria vítimas sociais indiscriminadamente, em qualquer país do mundo, independetemente do seu grau de desenvolvimento. Nenhum país está imune já que, infelizmente, todos sofrem com a desestruturação dos valores familiares.
(5) Os custos sociais do abandono são enormes para o Estado. Na Itália, por exemplo, cada criança abrigada custa aos cofres do governo 140 euros por dia. Isso sem contar no custo social dos que deixam as instituições após a maioridade. 80% deles não conseguem integrar-se à comunidade e caem vítimas da delinquência, prostituição e suicídio.
Como comportar-nos diante da emergência do abandono? Como compreendê-la? Como combatê-la?
Primeiro, procuremos entrar na mente de uma criança abandonada. É preciso que tracemos até ela um percurso de aproximação, colocando-nos diante dela de joelhos, tentando ouvir seu grito silencioso e, principalmente, tendo para com ela uma atitude de responsabilidade.
A quem pertence uma criança abandonada? Aos pais que a abandonaram? Ao prefeito? Aos órgãos assistenciais? Se o seu filho corre o menor perigo que seja, você, como pai ou mãe, apressa-se em acudí-lo. Mas... e se for o filho dos outros? Nos sentiremos igualmente responsáveis? O que nos move: a solidariedade ou a paternidade? Sinto-me solidário diante dessa realidade ou responsável?
Diante desse questionamento pode vir a defesa: "Que culpa eu tenho de tudo isso? A culpa é dos seus pais que a abandonaram, do govermo que não ajuda...". A partir do momento, porém, que tomamos conhecimento desse problema não posso fingir que não sei de nada, ignorar que é um drama para aquela criança ou adolescente. A primeira forma de ação é enxergar o problema profundamente.
Depois cabe-nos pensar: "Posso fazer alguma coisa para parar esse mal? Mesmo se não me sinto na origem desse problema, não sou parte das suas consequências?" Podemos nos sentir responsáveis, mesmo sem sermos culpados. O direito precisa ser enquadrado no sentido da responsabilidade. Caso contrário, as boas idéias nunca sairão do papel. O direito de uma criança acontece quando se encontra com o senso de responsabilidade de um adulto.

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